quarta-feira, 27 de novembro de 2013

O pedinte antenado




                                           


As paredes seculares da Igreja de Santo Expedito, no centro da cidade, servem de apoio para as costas do nosso personagem que, contrariando o comum, forra o chão com um plástico espesso e veste-se com roupas aparentemente limpas.

As muletas na calçada ao lado das pernas em desalinho nos falam de sua deficiência. Observo que tem algo nas mãos e os fios plugados ao seu ouvido me dizem que está antenado à modernidade.E eu me pergunto o que leva uma pessoa, só pelo fato de ter as pernas inertes, tornar-se alvo da caridade pública.

De imediato trago-o aos nossos dias, às nossas atitudes de meros pedintes que nos tornamos ao expormos nossas feridas morais, nossas deficiências afetivas à piedade alheia, forçando nossos irmãos planetários apiedarem-se de nós, estendendo-nos sua atenção e tempo preciosos em função dos nossos problemas, como se a falta de algo ou de alguém nos impedisse de trabalhar em prol do nosso próprio crescimento, maturidade e independência.

Tomemos o exemplo do físico britânico Stephen Hawking a quem a vida retirou quase tudo deixando-lhe intacta a inteligência. E ele, recusando-se ao papel de pedinte, fez-se gerente da empresa de sua própria vida, superando a si mesmo e servindo à humanidade com suas contribuições científicas.


                                                                     
                                                                   




                                                                                                                                       

terça-feira, 5 de novembro de 2013

João Gaiolinha




                                            
                                



                                         

Quando João Gaiolinha morreu, na saleta do seu casebre tinha mais passarinho do que gente!

O número de pessoas só foi aumentando durante o enterro porque sobre o caixão do nosso personagem pássaros de todo tipo vieram pousar.

João ficara conhecido como Gaiolinha porque ele mesmo construíra, com varetas de imbira, uma gaiola pequena e todo mês, com seu salário minguado, comparecia à Feira Livre e comprava uma ou duas aves.

No dizer local entrava mudo e saía calado, mas estava sempre por ali cumprindo seu estranho ritual.

Muita gente ficava bem de vida com aquele tipo de comércio, no entanto João vivia numa pobreza de fazer dó!

O que será que ele fazia com tanto passarinho?

E as línguas ferinas alfinetavam feito vodu o pobre homem:

- Será que ele compra os bichinhos pra comer?
- Que maldade!
- Vai ver pertence a alguma seita e tem trato com o demo...
- Cruz credo!
- É por isso mesmo que vive naquela miséria. Bem feito!

E assim seguia a vida... João com seus mistérios e as pessoas com seus julgamentos.

Até que um dia, Gererê, moleque como ele só e intrometido como ninguém, decidiu se atocaiar no mato e descobrir, de qualquer jeito, o segredo de João.

Madrugadinha, o sol começando a se espreguiçar no horizonte, João abre a porta do casebre. Olha o tempo e com a gaiolinha na mão, se embrenha mato adentro, seguido de longe por Gererê que registrava todos os seus movimentos e atitudes.

Num determinado ponto da mata, parou, tirou o chapéu, abriu a portinhola, enfiou a mão na gaiolinha, pegou a ave, deu-lhe um beijo na cabeça e devolveu-a à liberdade.

Gererê ficou mudo diante da cena inesperada!
Pensou: amanhã vou visitar João, pedir desculpas e pensar num jeito de oferecer uma ajuda para ele.

Mas a Morte chegou antes...

Por isso, jamais devemos adiar um pedido de desculpas ou fazer uma boa ação a quem quer que seja.