Na saleta de entrada da
casa de tia Viturina tinha um lugar especialmente construído e adaptado para um
personagem muito singular e de grande valor sentimental para ela.
Tratava-se de um guarda-chuva,
que ela, muito espirituosa, munida de tintas e pincéis, emprestou ao objeto um
ar tão divertido, que era impossível não rir, diante daquela figura inusitada.
Emprestou-lhe uma cara
engraçada, com um dos olhos simulando uma piscadela e o canto da boca suspenso,
acompanhando o movimento da piscada enquanto o outro olho, bem arregalado, com
os cílios exagerados e o desnível das sobrancelhas davam ao personagem um ar
absolutamente incomum.
Chamou-o de Enrico.
A gravatinha-borboleta,
luas, estrelas e corações pendurados nas ponteiras o deixavam realmente
encantador!
E tia Viturina jamais se
cansava de repetir de forma divertida, para quem tinha prazer de escutar, as memórias
do seu guarda-chuva...
Numa tarde de primavera, a
temperatura bastante elevada para a época, trouxe rajadas de vento intensas e
uma chuva inesperada o que a fez atravessar a rua, buscando a proteção de
alguma marquise e, na travessia, viu-se literalmente atropelada por um
guarda-chuva que quase a matou de susto!
Atrás daquela peça,
Vitório, um italiano muito branquinho, de olhos expressivos e um sorriso tão
cativante, que tia Viturina sentiu vontade de abraçá-lo, mas foi ele quem a
abraçou quase toda, pequenina que era, que nem mesmo num salto 9, atingiria o
ombro do rapaz.
- Scusami, ragazza!
- Ihhhh... complicou tudo!
- Desculpa-me,
senhorita! E dentro do seu português
italianado, ele desmanchou-se em desculpas, preocupado em ter machucado aquela
coisinha tão pequena – mio piccolo – seu apelido carinhoso.
Daquele encontro especial ao
casamento foi tudo muito rápido como rápida a ideia de transformarem o
guarda-chuva num ícone que simbolizaria a grande cumplicidade entre os seus
corações enamorados.
No Dia das Crianças, tia
Viturina preparava docinhos, balas, pequenos jogos de adivinhação, minilivros e
colocava-os em saquinhos coloridos sob o guarda- chuva, que se transformavam no
centro de atenções daqueles coraçõezinhos ávidos de sonhos e ternura.
Um dia tia Viturina ouviu
a queixa de uma criança:
- Ah! Pena que ele não
fala...
E, então, a adorável
senhorinha teve uma brilhante ideia! Pediu a Vitorio, dono de uma bela voz, que
gravasse algumas histórias, alguns contos bem pitorescos e, ela ocultando o
gravador atrás de Enrico, propiciava às crianças momentos mágicos ao ouvirem atentamente,
as mais diferentes histórias contadas por um guarda-chuva que começavam sempre
assim:
- Olá! Eu sou o Enrico. E, você, quem é?
Era dada uma pausa, as
crianças respondiam e ele continuava... a história de hoje, aconteceu de
verdade, num país muito longe daqui... e ia tecendo a narrativa com tanta graça,
que até o Silêncio pedia para ouvir também!
E assim, quando Vitorio
viajou para as estrelas, tia Viturina continuou a alegrar as crianças e a si
mesma, com o seu Enrico, que guardava as suas memórias e a voz encantadora do
dono do seu coração.