sexta-feira, 28 de março de 2014

Sem palavras

                                                                       
                                                                                 


Hoje a Saudade estava tão carente 
que sequer telefonou pra dizer que vinha...
Apareceu assim, de repente, 
dizendo não suportar mais tanto tempo,
tanto tempo sozinha.
E quando não se aninhava em meu peito, dengosa,
Puxava-me pela saia a chorar pela ausência sua...
O que digo a ela, meu amor?

sexta-feira, 21 de março de 2014

Nhá Chica

                                                                                                       


O rio ainda é o mesmo, mas o olhar de Nhá Chica há muito perdeu o brilho e a capacidade de correr junto daquelas águas mansas e barrentas que tão bem conhecia .

Bastava um peixe pular das águas para ela bater palmas com as mãos abertas e o sorriso estampado no rosto amigo e bom daquelas pessoas que nasceram só para fazer o bem!

Nhá Chica, ribeirinha de nascença, ganhou até nome pomposo quando aportou nesse mundo: Francisca Maria Ribeiro do Nascimento, mas para os mais chegados, os de casa, era Nhá Chica do rio, mesmo...

Mãos maltratadas de mulher trabalhadeira que, embora não tenha domado muito bem o lápis e as letras, conseguiu escrever a vida de cada um, a história do lugar.

A pé, de canoa, a vau, em lombo de burro, de carroça, de carroceria, do jeito que desse, sob chuva ou sol a pino, madrugada ou dia alto, lá ia ela... O terço na mão, “mode dar segurança”, o “emborná” com os instrumentos de trabalho: o copo de alumínio, pra escutar as “andança” do corpo, a medalhinha de Nossa Senhora do Bom Parto pra botar em cima da barriga, “mode” a criança não subir. Quando sobe, a “muié” gorgita e “atrapaia” tudo, sabe moça?

Cobrar, nunca cobrou nada, mas aceitava os santinhos, as misturas, um cafezinho com rapadura, uma toalhinha, coisas assim, mas a paga que nunca podia faltar era o nascido de suas mãos chamá-la de madrinha. Ah, isso ela fazia questão!

E não tomasse a bênção não, que Nhá Chica fechava o tempo! “Ara! Já se viu?!”

Mais da metade da população ribeirinha era afilhada de Nhá Chica.
Mais da metade herdou a reza boa, as boas palavras, aquelas que livram de todo “má”, os de fora e os de dentro...

Como é isso, Nhá Chica?

Ah, os de fora vem dos outros, é mais fácil de combater, mas os de dentro, vem de nós mesmos, fia. Esse é o mais perigoso. Difiiiicil...

O resto Nosso Senhor toma conta. Carece ter medo não. Carece mais viver e entender que tudo que Deus faz é “bão.” Inté!

A canoa me espera e eu sigo pensando em tudo que vi e ouvi e na grande força que brota dessa gente que parece nutrir-se do rio, que incansável, prossegue no seu caminho de eterno servidor.



                                                                             

sexta-feira, 14 de março de 2014

Abraço



Ela surgiu de repente na curva da esquina e olhando-me nos olhos disse num arroubo:
- Salve, cigana!
Talvez pela minha preferência às saias longas e coloridas, os colares, o leque...
- Salve! Respondi cordialmente.
- Sabe, cigana, eu falo várias línguas e sei que você também há de falar.
- Apenas duas.
- Se vivo nas ruas e ando um pouco rota, a pele encardida, as unhas sujas e o cheiro não muito agradável é porque sofro de abandono. Você sabe o que é isso?
- Certamente. Afinal, sou mulher!
- E sábia.
- Ah... Se fosse sábia não sofreria...
- Posso pedir uma coisa, cigana?
- Se estiver ao meu alcance...
- Você me daria um abraço?
E diante de alguém que não esperava de mim qualquer bem material, num gesto espontâneo eu a abracei com a confiança e naturalidade de quem abraça um amigo.
- Muito obrigada! Deus a abençoe.
E se foi.
Imersa em meus pensamentos eu segui meu caminho analisando a complexidade do ser humano...

terça-feira, 4 de março de 2014

Dialética



                                             

Jogava-me pedrinhas a moça que vivia na Torre
E traziam bilhetes nelas enrolados, pequenos pergaminhos.
Ora falavam de amor, ora diziam versos.
Pequenos recados... Algumas recomendações
Segredos...
Às vezes eram rezas, verdadeiras penitências,
Quando a torre se fechava vários dias,
Noites seguidas, treva total.
Brecha alguma para a Imaginação ali adentrar.
Após o longo retiro, voltava ela. Sempre assim.
Por quê? Por que imputava sempre a si mesma
Aquela pena, a clausura...
Então ia surgindo aos poucos para não ferir
O olhar habituado ao negror da noite densa.
E voltava ela a me atirar as pedrinhas
Com suas mensagens delicadas, sutis.
Guardava as pedras num quase altar
E dos recados vertia poemas,
Poemas que falavam de um estranho amor entre
Um alguém na Torre e outro alguém na rua:
Um amor inverossímil entre mim e a Lua.

                                   


                     

sábado, 1 de março de 2014

Surpresa

                                                                            
                                                                             
 
                                                          Para Nazaré Laroca
- Ei, psiu!
Assim fez de modo bem descontraído alguém, quando a poetisa passou.
Ela buscou com o olhar em várias direções. Em vão.
A voz insistiu:
- Aqui em cima...
A poetisa olhou para o prédio à direita da praça onde caminhava todas as manhãs.
- Aqui, na árvore, menina tonta.
E a poetisa nem quis acreditar nos seus olhos...
Diáfana criatura, com tessitura de flores, de borboletas,
pousada sobre as acácias lhe acenava a sorrir.
Quem seria? Um ente dos céus? Da mitologia? Não ousava perguntar para não quebrar o encanto do momento.
Mas a aparição, como a adivinhar-lhe o pensamento, indagou:
- Não me reconheces? Tenho estado contigo em tuas noites, teus dias. Tenho mostrado a beleza do mundo, afastado a tristeza,                                        consolado a dor e estimulado a alegria.
E a poetisa, sem reter o pranto, tomou Poesia em seus braços
e de seus lábios verteram beijos em forma de poemas.