(continuação)
Durante os preparativos para o tão
ansiado Curso de Esperanto, Brux convidou-me para ir com ela ao Empório e
comprar algumas coisas para o lanche dos futuros alunos.
Foi então que tive a oportunidade de
conhecer o lado moleque daquela bruxa tão discreta e compenetrada.
Em meio àquele lugar tão prazeroso
uma cena desagradável ocorreu:
Uma mulher acompanhada de duas
crianças que a chamavam de mãe iniciou uma baixaria no estabelecimento! Falava
alto e xingava as crianças que choravam baixinho diante daquela atitude
inqualificável e injusta contra seres tão indefesos.
Brux fez um gesto bem discreto,
balbuciou alguma coisa que não entendi, numa linguagem cabalística, e em
instantes a criatura, antes tão gritante, fazia uma mímica ridícula, ficando
completamente sem voz!
Todos os presentes riram-se da cena
inesperada e Brux apenas sorriu com o olhar e, aproximando-se de mim, disse
baixinho:
- Amanhã ela fala outra vez. É só um
susto para ela pensar um pouquinho. Depois, as bruxas é que são ruins...
Eu tive vontade de rir sem parar
daquilo tudo, mas, por educação, fiquei quieta.
Ao voltarmos para o Casarão, vimos,
através de um muro gradeado, muitas gaiolas penduradas e pássaros tão lindos
olhando o céu azul sem poder galga-lo como lhes permitiu o Criador. Pássaros
foram feitos para voar e não para ficarem confinados numa gaiola tão feia,
pequena e triste...
Brux parou em frente à casa, pegou
um galhinho seco de imbira que trazia em sua inseparável bolsinha, desenhou uma
gaiola no chão, e abaixando-se apagou a parte corresponde à porta da gaiola.
Uma a uma, as gaiolas foram se
abrindo e os pássaros voltaram à imensidão.
- Vamos? Disse ela na maior
naturalidade. E tomamos o caminho do Casarão.
Ainda na rua, pude ver mais um fato
curioso:
Um homem que conduzia uma carroça
maltratava tanto o cavalo que o servia, que Brux indignou-se e fez o braço que
chicoteava o pobre animal ficar duro e suspenso no ar sem conseguir
movimentar-se para maltratar quem lhe prestava benefícios tão valiosos!
Ficou lá o infeliz, com o braço
absolutamente esticado como se estivesse apontando para o céu.
Os soldados de plantão no quartel
próximo dali riam... riam muito pela situação inusitada.
E o casal que brigava sem parar sob
a marquise de uma loja de materiais de construção? Pois não é que a danadinha
da feiticeira fez aparecer um balde com água sobre a marquise? E o resultado
vocês imaginam, não é?
Bom, mas ao longe soou um latido
muito familiar à nossa Bruxinha justiceira. Era Nashe, a cadelinha encantada da
Fada Niath que precisou vir em auxílio de sua protegida.
- Brux! Você não pode interferir na
vida das pessoas dessa maneira, minha querida. Disse a pequena Fada com toda
ternura desse mundo...
- Não consigo ficar indiferente
diante de tanta injustiça, Niath. Você sabe.
- Eu sei e por isso mesmo o Mago
Estelar me pediu que viesse em seu lugar porque ele precisou viajar para longe,
mas não queria deixá-la sem a nossa proteção e você conhece muito bem as
regras, os mandamentos da nossa Comunidade... as Leis são rígidas e têm suas
razões de ser. Desfaça o que você fez para que seus méritos não sejam anulados,
minha amiga.
Brux abaixou o olhar e ainda que um
pouco a contragosto, obedeceu àquele ser que ela tanto amava.
Nashe ficou tão radiante que ao
invés de andar como um quadrúpede que era, passou a andar naturalmente apoiada
apenas nas patinhas traseiras! Todos achamos a maior graça, devido ao seu
movimento contínuo, parecendo dançar uma música que apenas ela ouvia.
Voltamos juntos ao Casarão e Brux,
apresentando Niath a todos, seguiu sozinha para o seu quarto. Precisava ficar
só um pouco. Deixar-se levar pelas emoções resultava nisso: um cansaço! Ela
precisava retomar seu velho autodomínio.
Dia seguinte, todos reunidos para o
saboroso café da manhã e Brux, após cumprimentar a todos com seu olhar
especial, disse no seu jeito de sempre:
- Podemos marcar a inauguração do
Curso para o início da semana que vem?
- Por quê, Brux? Perguntou Flor, já
sentindo a razão no ar.
- Não responda uma pergunta com
outra. Podemos ou não?
- Se assim forr da vontade de
Madame, non vejo razón porr adiarr mais, acrescentou Colibri com sua elegância
característica.
- Então, combinado. Vou expedir os
convites e, logo após a inauguração, retorno ao meu mundo.
- Eu sabia! Você nunca fica tanto
tempo com a gente... parece que nem gosta da nossa companhia – choramingou
Flor.
- Você sabe que não se trata disso -
disse ela, abraçando a pequena Flor que se surpreendeu com o gesto da
feiticeira, sempre tão reservada em suas atitudes...
- Na verdade não podemos permanecer
muito tempo no mesmo lugar, porque temos muitas tarefas a cumprir em locais
diferentes, Florzinha, acrescentou a Fada Niath num sorriso luminoso.
Atraídos por toda aquela vibração
tão harmoniosa e bela, os animais rodearam a todos os presentes como se
executassem uma dança misteriosa e tão encantadora, que até os pássaros da
vizinhança pousaram sobre as janelas do casarão, à guisa de espectadores
curiosos.
Nashe, mais uma vez, sobre as
patinhas traseiras, rodopiava graciosa e interativa com todos os presentes,
como a querer transmitir a cada um em especial, todo o seu carinho.
Engraçado, eu cresci ouvindo contar
histórias tão escabrosas sobre bruxas; no entanto aquela era diferente. Seria
alguma irmã da Bruxinha Boa de Maria Clara Machado? Quem sabe? Se o impossível
torna-se possível no dizer dos Santos, por que não para os esperançosos também?
Nos dias subsequentes, o trabalho
foi intenso no Casarão, que virou uma espécie de correio central de onde eram
expedidos os convites para a inauguração do Curso de Esperanto, a calhar, no
dia das Bruxas...
E, no dia aprazado, o Casarão ficou
uma beleza! Vieram dos pontos mais diferentes do mundo da Literatura: Castor,
Dália, a Flor do espelho; Luma, Maria da Luz, PatroMestre Esperanto, Florzinha
e Verbum do Conto No reino das mil e uma palavras sem fim de Nazaré Laroca; vieram a
Pedra da Fonte e seu Pescador, Vlap, o morceguinho curioso, Gaia e seu Pelicano
fotógrafo, Amarantes e seus porquinhos adestrados, Nico e Neco...
Todos perfeitamente acomodados e
Brux, tomando a palavra, anunciou:
- Hoje é um dia histórico para a
Comunidade dos Seres Encantados. Nosso objetivo é oferecer a todos, as noções
da Língua Internacional neutra, Esperanto, criada pelo Doutor Lázaro Luiz
Zamenhof, um ser encantador, para que todos pudessem comunicar-se sem
restrições.
E eu convidei uma pessoa muito
especial para cuidar do nosso projeto que espero ser permanente em nosso
espaço: a Dra. Zan!
E todos ao seu modo, saudaram a Dra.
Zan, sempre munida com sua varinha especial que soltava uma tinta vermelha - a
caneta - que Brux abominava, mas cada um usa o poder que adquire e até mesmo as
Fadas e Bruxas precisam aceitar essas outras magias que elas não dominam ainda...
A Dra. Zan tomou o seu lugar,
agradeceu o convite e a presença de todos e, muito séria, começou a falar do
Esperanto e do seu mecanismo. Mas, como aquele era um ambiente mágico, ela, a
princípio, espantou-se um pouco ao perceber que a lousa tomava um aspecto
diferente a cada vez que ela apontava para a mesma ou tentava escrever... é que
não era necessário tocar no quadro! As letras desenhavam-se apenas com o
pensamento da mestra. Passada a surpresa, ela achou até bom aquele recurso
porque facilitava bastante a evolução da aula, tornando-a tão prática e
dinâmica como o próprio idioma o é.
Como se tratava de uma clientela
muito diferente daquela com que a professora fora acostumada a lidar a vida
inteira, ela percebeu logo que deveria usar os mais variados métodos de ensino
para atingir seus objetivos sem entediar a plateia. E a convite seu, Música,
Poesia, Teatro e Fotografia apresentaram as suas medidas facilitadoras servindo
como mediadores daquela dedicada professora cujo maior mérito era amar o que
fazia. Eis aí o segredo dos grandes mestres: a paixão pelo que fazem.
Os Substantivos, em gracioso
bailado, para demonstrar a maneira como eram realizados, convidaram a vogal /O/
para intermediá-los. E os passos entrecruzavam-se em sequência: Arb-O; Stel-O;
Mar-O; River-O.
E os espectadores aprenderam de uma
maneira deveras interessante que as palavras desta categoria terminavam com a
letra O.
Os Adjetivos repetiram a mesma
coreografia, mas convidaram a vogal A como intermediária. E os passos
entrecruzavam-se na seqüência: Bel-A; Bril-A; Fort-A; Rapid-A.
E a compreensão fez-se imediata para
mais uma regra do Esperanto pela qual todos os Adjetivos terminam em A.
A Dr-a Zan desejou saber como era a
tonicidade daquela língua. E como neste idioma as cinco vogais estão presentes
o tempo todo, as palavrinhas organizaram-se em grupos que à maneira de
graciosos saltimbancos, pulavam mais alto quando a sílaba tônica se
apresentava. Os tambores marcavam a cadência ritmada, gostosa da pronúncia do
Esperanto. E assim todos víamos a seguinte cena:
Es-pe-RAN-to; ri-VE-ro; ra-PI-da;
FOR-ta...
E a nossa Doutora compreendeu e
comentou comigo que a tonicidade se dava sempre na antepenúltima sílaba. Genial
o Dr Zamenhof!
Realmente, Brux estava coberta de
razão ao dizer que esta é uma língua mágica. Ela recebe e merece de nós todos
os adjetivos, mas este é o que melhor se enquadra, se ajusta para defini-la.
Seguiram-se os Verbos e a vogal I
foi a grande convidada como parceira vigorosa e solícita na encantadora
coreografia.
Parol-I; Vid-I; Salt-I; Danc-I;
Kur-i; Kis-I...
Todos estávamos maravilhados com
aquele espetáculo inesquecível para cada de um nós ali presentes.
Para cada uma das dezesseis regras
do Fundamento, algo caracterizado pela Arte foi apresentado, e quem me lê e é
esperantista sabe muito bem do que falo. Aos que ainda não conhecem o Esperanto
fica o convite, claro!
E Brux?
Ficou a pergunta no ar.
Onde estaria a feiticeira
misteriosa?
Fui encontrá-la na Biblioteca.
Estava pensativa e havia algo diferente em sua expressão.
Permaneci em silêncio porque
conhecia o modo de ser daquele ente tão especial para mim, mas sabia que o
adeus estava perto.
- Não gosto de despedidas.
- Eu sei. Posso pedir um favor?
- Claro.
- Dá notícias.
- Adiaŭ.
- Adeus. Dankon.
Quando nos veremos outra vez só ela
pode dizer, mas certamente já estou com saudade da minha grande amiga que mora
pertinho das estrelas...
Ao ver a minha tristeza, a Fada
Niath cochichou num sorriso: ela volta.
- Mas eu a senti tão diferente...
cheguei sentir um aperto no coração ao vê-la partir.
- Você consegue guardar um segredo?
- Claro!
- Brux está apaixonada. Mas ela
volta para narrar a sua experiência, amorosa, eu garanto.
- Estranho! Nunca ouvi dizer que
bruxas se apaixonassem...
- Mas Brux é especial e eu tenho
certeza que sua história de amor vai ser muito emocionante.
- Será que vai ter um final feliz,
Fada Niath?
- Isso só a próxima história dirá. E
para se saber é preciso enviar uma grande quantidade de cartas para a terceira
estrela ao lado direito da Lua Nova
- Mas como se faz isso?
- Simples. Envie aos cuidados da
dona do blog que ela fará chegar às mãos de Brux em segurança.