sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Eucaliptal



Porque eu fosse pequena e leve, seguia no colo de Antonia, a moça que trabalhava onde eu morava.

Carregava-me sobre os ombros, numa alegria contagiante e boa, para passar o dia em sua casa, uma construção simples, com paredes caiadas, branquinhas, branquinhas feito nuvens de maio, em meio a um formoso eucaliptal, no sul da incomparável Minas Gerais.

Após o lauto café, cujo aroma percorria a casa toda, com direito a milho cozido e bolo de fubá fresquinho, feito no fogão de lenha, nós íamos para o terreiro e Antonia buscava as árvores jovens, portanto mais baixas e flexíveis. Ia envergando o vegetal, até que o topo ficasse junto de nós.

- Segura na ponta, bem firme, e solta o corpo. Deixa a árvore brincar com você. Confia nela.

E como a árvore tivesse boa maleabilidade, eu subia e voltava ao solo, tocando-o apenas com a ponta do pé.

E sentindo a energia que fluía do vegetal e da própria Antonia, com sua alegria boa, brincava feliz, como se subisse e descesse em ondas que se delineavam lindamente aos meus olhos de criança.

As pessoas simples às vezes passam muito rapidamente nas nossas vidas, mas como a nota de fundo de um bom perfume, ficam impressas em nossa memória afetiva para sempre.

Hoje, possivelmente a minha Antonia já seja uma estrela, ou more em alguma delas... e se nas estrelas também se plantam eucaliptos, eu gostaria de visitá-la um dia, para que junto a um desses troncos energéticos a gente pudesse espalhar as lembranças pelo chão e rir o bom riso de quem aprendeu a viver ao natural.


sábado, 15 de agosto de 2015

Preferência nacional


Quem é o pretinho gostoso
que o brasileiro adora?

É bem vindo em todo lugar
e a qualquer hora.

Quem é o pretinho gostoso,
me diga lá, afinal!

É o cafezinho cheiroso
e tradicional!
 - Vai um café?

sábado, 8 de agosto de 2015

O pregador e a dona da boate



Entre ambos uma grande distância, naturalmente.
Ela o respeitava, mas sem veneração.
Eram amigos há longos anos, desde o período do velho e bom ginásio.
Tomaram rumos diferentes ao término do segundo grau.
Ele, mudou-se, seguiu o caminho doutrinário produzindo belas palestras, uma vida regrada, muito estudo, trabalho e pregações nos templos locais e em outras cidades também.
Ela, mulher da noite, das festas e luzes da ribalta, tornou-se proprietária de uma boate.
Num desses acasos da vida, chuva intensa na estrada, manobra mal calculada joga o carro do pregador ribanceira abaixo deixando-o numa situação muito embaraçosa.
Ela viu o acidente, parou a caminhonete e desceu a pirambeira para prestar os primeiros socorros.
Era impulsiva, não media esforços para ajudar a quem quer que fosse, principalmente em situações de risco.
Tornara-se uma mulher forte, musculatura definida e muito ágil.
Ao reconhecer o velho amigo, não titubeou:
- Vou abraçar você, meu velho, mas não se preocupe porque não passa pela cabeça seduzi-lo, viu? Falou sem ocultar a irreverência muito própria do seu jeito de ser.
- Não estou em condições de ser seduzido, minha boa amiga. Jamais poderei pagar esse bem que você está me fazendo agora.
- Reze por mim quando tiver um tempo, porque eu não sou muito boa com essas coisas de reza, você sabe.
- Cada um de nós tem a sua maneira de oração, Catarina.
- Sou caso perdido. Fique quieto agora porque preciso carregar você.
E assim dizendo, ela joga o franzino corpo de seu velho amigo sobre o ombro e sobe com sua preciosa carga o terreno em declive. Foi difícil atingirem a estrada devido o tempo ruim, o solo escorregadio, mas havia tanta determinação e boa vontade na atitude daquela mulher, que o universo conspirou favoravelmente, como se mãos invisíveis os apoiassem.
Demétrio quebrara o pé e Catarina colocou-o no banco de sua caminhonete sem grande dificuldade.
- Você não vai ficar constrangido em chegar no hospital ao meu lado, vai?
- Posso me constranger se tiver que entrar no seu colo, Catarina.
- Sinto muito, meu velho, mas se não tiver outro jeito, é assim mesmo que você vai entrar. E se alguém fizer alguma graça, eu quebro a cara do sujeito ou da sujeita. Disse ela num tom decidido.
- Não precisa agredir ninguém, minha amiga.
- Não tenho pendores pra santidade, Demétrio, sou impulsiva e muitas vezes, explosiva também, principalmente diante de certas coisas que não concordo. Mas agora fique quieto um pouquinho que vou tentar deixar você o mais confortável possível.
E assim dizendo, pegou um cachecol de lã, que mantinha sempre no porta luvas, enrolou o pé contundido do amigo, o acomodando-o o melhor que pôde, partiu para o hospital, distante dali cerca de duas horas, provavelmente, mas que tomaria mais tempo por causa da chuva.
- Sabe, Demétrio, nunca pensei que algum dia da minha vida, eu pudesse ouvir de alguém que uma pecadora ajudasse um santo, e no entanto, hoje, sou protagonista de uma história dessas...
- Não sou santo, Catarina. Sou apenas um servidor do Cristo, como qualquer um de nós poderá ser, se assim o desejar.
- Ah, você pode não ser santo, mas vive socorrendo os outros, pregando a palavra, levando uma vida absolutamente regrada, enquanto eu...
- No entanto, você me socorreu hoje! Demonstrando com isso, que também pode ser uma servidora de Jesus.
- Servidora de Jesus, eu?! Você deve estar com febre, meu velho, disse ela encostando o dorso da mão na testa do amigo.
- Não estou com febre não.
Chegaram ao hospital finalmente e Catarina, vendo a falta de estrutura local, não pensou duas vezes: tomou o amigo no colo e levou-o sem o menor esforço até a sala de atendimento.
Permanecera do lado de fora para fumar. Não tinha muita paciência para esperar e o cigarro, na sua concepção, ajudava a distrair a mente. Foi tudo muito demorado mesmo, mas findo o atendimento, Catarina levou seu amigo de volta ao hotel onde ele se hospedaria, bem próximo a sua boate.
Ao chegarem ela desceu e perguntou se havia uma cadeira de rodas para o seu amigo ficar mais confortável.
O funcionário informou que a única disponível estava quebrada e ela, olhando com um ar de riso para o amigo, brincou:
- Acho que os seus amigos lá de cima estão conspirando pra você andar de colo, meu velho.
- Catarina, você não tem jeito!
- Avisei que sou caso perdido...
- Nem sei como retribuir a tanta ajuda, minha querida amiga.
- Demétrio, pode parar com esse chororô, senão vai me amolecer e eu tenho que ficar bem forte pra dar uma força a mais, se for preciso. Amanhã eu volto. Qualquer coisa liga, está certo?
- Deus lhe pague.
Catarina saiu e Demétrio ficou refletindo sobre tudo que se passara e no quanto temos que nos libertar dos julgamentos e preconceitos cristalizados em nossa alma há milênios. Lembrou-se da frase de Catarina: nunca pensei que uma pecadora pudesse socorrer um santo... Não, ele não pretendia santidades para si, mas no fundo sentia que determinados grupos permaneciam naturalmente, em diferentes patamares. Estava envergonhado e ao mesmo tempo agradecido demais a Deus por permitir-lhe um aprendizado como aquele, de uma forma tão inesperada.
Dia seguinte, bem cedinho, lá estava Catarina a esperar por ele.
- Bom dia, meu amigo! Conseguiu dormir um pouco?
- Sim. E você?
- Eu nunca tenho problemas para dormir de dia, já que meu trabalho é noturno, mas descansei. Pedi um reboque para o seu carro e tenho mecânicos de confiança, se você quiser, é claro!
- Obrigado, Catarina! Viu como você é uma boa servidora?
- Não vai querer me converter agora, Demétrio...
- Não. Só mostrar que todos nós temos importância para o Senhor.
- Vamos tomar café?
- Vamos.
E saíram os dois amigos. Ele apoiado em seu braço o que a obrigava a caminhar devagarinhp, acompanhando o ritmo lento do seu velho amigo, que lhe devia, sem que ela pudesse imaginar, uma grande reforma íntima. Catarina não só o retirara do abismo, mas removera também um pesado e incômodo sentimento do seu coração: o de preocupar-se excessivamente com julgamentos.
O melhor da vida, sem dúvida, é sermos nós mesmos.