sábado, 24 de dezembro de 2016

Destino


- Vai falar com Madre Sofia, minha filha, ela certamente terá a palavra justa para os seus tormentos.
Entrei na capela e ali encontrei a Madre, imersa em profunda meditação.
Esperei em silêncio.
Sentindo a minha presença, ela virou-se para trás, levantou-se e veio até mim.
Estendeu-me as mãos, manteve as minhas entre as dela por alguns segundos  e completou o gesto num largo sorriso:
- Veja só como o Serviço Celeste é imediato!    Eu nem acabei de mandar um pedido urgente a Nosso Senhor  e Ele já me enviou a resposta e em forma de uma moça  linda e no vigor da juventude! Como Ele é generoso!     
Considere-se uma ajudante de Jesus, minha filha!  Há muito trabalho para ser feito, mas os trabalhadores são tão poucos...
Meu Deus! Como eu teria coragem de falar dos meus tormentos, da minha angústia com uma criatura tão espiritualizada, e que depositava tanta esperança em mim?
Ela ofereceu-me o braço e saímos pelo longo corredor daquela antiga e conhecida Instituição Benemérita.
Adentramos o pavilhão infantil e ela, com a doçura dos corações devotados ao bem, continuou sua conversa, como se  fôssemos conhecidas de muitos anos...
Aprenderia depois, com o passar dos anos, que os corações se reconhecem...
 - Veja, minha criança, como esses nossos bebês estão precisando de uma mãezinha para dar a eles todo cuidado e carinho que precisam e merecem, já que suas mães não aceitaram essa tarefa tão sublime que Nosso Senhor em Sua bondade, enviou para nós: a maternidade.
Às vezes temos algumas baixas, sabe? É que Deus precisa de mães emprestadas lá no céu também.
E então?  Aceita esses corações reunidos aqui nesta casa pelas bênçãos do céu?
Ajoelhei-me diante de Madre Sofia e chorei todo o pranto represado no peito até aquele momento.
- Oh, Irmã, não sou digna dessa confiança que a senhora deposita em mim. Como pode uma pecadora como eu, pensar em ser aceita por Jesus, Irmã?
- Mas Jesus veio para os pecadores, minha filha!  Ele veio para todos nós, iludidos que somos por nossas fraquezas.
- Madre, lá fora numa cesta, está uma criança que eu pretendia entregar a vocês e sumir desse mundo!  Mas, não sei por que, presa de intensa emoção, fiquei ali na saleta de espera, com minha filha nos braços e a alma tão confusa que a freira da recepção pegou no colo a pequena Clara e aconselhou-me procurar pela senhora.
- Ah, você falou com a Irmã Bernadete! Ela sempre sabe encaminhar para mim as pessoas certas. Bom, mas enquanto você decide o seu destino, vamos até a recepção para eu conhecer a pequena Clara.
E eu, que ali fora para doar minha única filha àquela Instituição Cristã, acabei me tornando a mais jovem mãe da Ala 9 do Pavilhão Azul, graças a bondade de Madre Sofia e a misericórdia de Nosso Senhor Jesus Cristo.

sábado, 3 de dezembro de 2016

Sem despedidas


Se eu partir sem me despedir,
por favor, não leva a mal!
Despedidas entristecem mais
que a dor de uma separação,
mas as vezes é preciso ouvir
a voz da razão!
E, quando ela fala,
nem mesmo o coração consegue
argumentar que te quero tanto
e cada vez mais!
Agora entretanto,
adeus, meu grande amor...
Tantas razões, deve saber Deus!

domingo, 13 de novembro de 2016

Cotidiano


Rua 13 de Maio,  Rio de Janeiro, 18 horas, fluxo intenso e em meio a tantas vozes, uma se alteia, imperativa:

- Natã, aqui! Aqui, Natã, comigo!

Olho na direção da voz, pensando tratar-se de uma ordem a um cão e, entretanto, era a um homem!

Um homem com uma deficiência severa.

Ela, sua mãe, talvez...

Ambos unidos pelo destino.

Ele, um tanto perdido em meio à rua, interrompera a caminhada e olhava a banca de revistas repleta de capas coloridas, fotografias, mil apelos, música, muitas vozes...

Mas aquela voz que se alteava entre as demais lembrava-lhe a dependência, a obediência a uma mulher, bonita ainda, os cabelos descoloridos pelo tempo, os sulcos profundos na face, sofrida por certo, mas que autoritária, o direciona, tirando-o do seu devaneio momentâneo.


Trota até ela, que o pega pelo pulso, a guisa de uma coleira talvez, e os dois seguem pelo Beco dos Poetas, diante do meu olhar que me convida a refletir um pouco mais sobre o comportamento humano diante das adversidades, venturas ou desventuras desta vida...

domingo, 30 de outubro de 2016

O ganso e o porquinho


Zuzu, o porquinho cor de rosa, soluçava tristemente, com a carinha apoiada na abertura da alta sacada da casa onde ele vivia.

- Oh, que triste sorte a minha... Eu gostaria de ganhar asas para libertar-me desta prisão.

De repente, um barulho forte de asas imensas e vigorosas, intimidaram o pequeno animal.

- Não tenha medo, Zuzu. Sou eu, Hans, o ganso guardião dos sonhos de todos os animais.

- Oh, muito obrigado por sua visita, bondoso guardião! Estou tão triste e angustiado, que mesmo me sabendo totalmente sadio, sinto dores no corpo inteiro...

- Fale sobre a sua angústia amiguinho. O diálogo é um medicamento bom e costuma ser eficaz contra os males que nos afligem a alma.

- Meu problema central é sobre a imposição dos humanos em minha vida. Sou um animal e a natureza me deu os meios necessários para que eu viva bem.

- No entanto você tem uma vida luxuosa, Zuzu.

- Com efeito! Mas alguém me perguntou se eu preciso disso? Eles impõem a mim suas próprias condições e necessidades humanas, como se tivesse perdido o meu papel de animal na natureza!

- De fato há pessoas que são incapazes de reconhecer e aceitar os aspectos simples da vida.

- Eu permaneço distante do solo e das estrelas, encarcerado nessa verdadeira torre e totalmente sozinho... Por isso desejei ter asas.

- Veja, as pessoas desejam humanizá-lo e você quer ser uma ave?!

- Perdão! Muitas vezes, a solidão, a falta dos nossos pares para trocarmos confidências, medos, carícias e outras coisas, momentaneamente, faz com que percamos o equilíbrio emocional.

- Você não precisa pedir perdão, criança!  Asas você não pode ganhar, mas...

- ... mas o quê, Hans?

-  Eu posso levá-lo a um voo pelo infinito, se você não tiver medo.

- E como seria isso?

- Suba nas minhas costas – disse o ganso, abaixando o seu corpo.

E logo, logo, o céu ganhou uma estranha cena: um grande e vigoroso ganso voando com um porquinho grudado em seu dorso.

Zuzu sentiu-se tão feliz, que esqueceu totalmente as angústias do coração.                     
Viu outros povos, outros costumes, montanhas, rios, mares, bosques, florestas, fazendas, animais... Muitas coisas viu Zuzu.
Quase no começo da manhã, Hans devolveu o porquinho a sua moradia.

- Você voltará, Hans?

- Sim! Quando puder, voltarei.

- Mas o que eu poderia fazer para não me sentir tão chateado?
- Escreva histórias, Zuzu. Até breve!

- Até… Hans! Um momentinho, por favor.

- O que houve? Disse o ganso, dando uma meia volta no ar e apoiando-se sobre a sacada.

- Em que língua eu devo escrever as histórias?

- Boa pergunta! Escreva em Esperanto.

- Por quê?

- Porque só assim cada povo poderá traduzir para sua própria língua, ampliando o conhecimento e o prazer de ler.


Nota: este conto foi escrito por mim, originalmente na Lingua Internacional Esperanto e publicado na Revista Brazila Esperantisto, editada pela Liga Brasileira de Esperanto, com sede em Brasília, DF

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

O lado bom de tudo


Onde quer que estivesse, Eustáquio ouvia quase sempre a mesma resposta aos seus lamentos:
“Tudo tem um lado bom!”
E ele saía furioso porque acreditava que sua queixa tão justa contra aquela maldita alergia, era vista como deboche.
Quem falava que tudo tinha um lado bom, não sabia o que era passar pelas crises de espirros sucessivos que lhe sucediam ao ter contato com qualquer tipo de flor.
O coitado do homem quase perdia a respiração e a razão também!
Tudo passava a ser motivo de recusa: casamentos, aniversários, até enterros!
- Pra quê morto precisa de flores? Já morreu mesmo! O lado bom é que já não sente mais cheiros, e sendo assim, se for alérgico como eu, não vai ter mais problemas.
E o gênio ruim de Eustáquio se agravava por conta da maldita alergia, que era como ele classificava o distúrbio.
- Procure um médico, Eustáquio! Reclamava a mulher, já esgotada com a atitude do marido.
- Esses incompetentes só sabem entupir a gente com aqueles malditos antialérgicos, que dão tanto sono que se bobear, o sujeito cai no meio da rua! E eu faço o quê da vida? Preciso estar acordado, e bem acordado, pra trabalhar. Como vou ficar no trabalho, feito um sonâmbulo? Devia mesmo era morrer de uma vez!
- Pare de blasfemar, homem! Agradeça! Quem sabe essa alergia ainda venha a salvar-lhe a vida!
- Ora, vai pro inferno!
E a mulher se benzia e pedia perdão a Deus pelo descontrole do marido, que era um bom homem, responsável, honesto e trabalhador e sofria muito mais pela impaciência que pela alergia.
Até que um dia, vítima de mal súbito, Eustáquio enfartou.
Declarada a morte, foi levado para a capela mortuária e o serviço funerário, cumprindo as normas contratuais, cercou o corpo com as famosas flores de defunto.
Capela cheia, aquele ambiente pesado e comprido, de repente o inusitado: o falecido começou a espirrar! e sentando-se no caixão, gritou a plenos pulmões:
- Quem foi que me cobriu com essas malditas flores? Que brincadeira estúpida é essa?
Ele não havia se dado conta da gravidade da situação e quando afinal, percebeu o que se passava, tremendo, suando e gaguejando, implorou que o tirassem dali o mais rápido possível!
Os piedosos presentes, como alguns colegas, vizinhos e parentes de Eustáquio, antes de socorrê-lo, como que regidos por um maestro invisível, bradaram a uma só voz:
“Viu, Eustáquio, tudo tem um lado bom!”
Não se sabe por quais mecanismos da mente, o nosso personagem não só curou-se como passou a cultivar esses seres tão maravilhosos que Deus usa para ornamentar a Terra.
Na entrada de sua casa, uma placa de madeira entalhada com flores exibe a seguinte frase esculpida em 3D, com esmero:
                     TUDO TEM UM LADO BOM!


segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Aprendiz de feiticeira


Ai, como eu queria
ser uma feiticeira...
E de qualquer maneira,
ganhar teu coração!

Saber todas as coisas
que faz uma mulher
para ter sempre ao seu lado,
o homem que ela quer!

Te seduzir, conquistar,
te envolver, namorar,
num carinho sem fim!
Só pra sentir o prazer
de receber teu amor todo pra mim!


sábado, 3 de setembro de 2016

Insônia


A insônia é um fator que ocorre apenas com a raça humana, certo?
Eu ousaria questionar essa assertiva.
A madrugada silenciosa e tranquila é um convite à janela para contemplar o infinito...
As estrelas atraem-me o olhar que percorre, sem pressa, a beleza do universo.
O grande conjunto onde resido, há séculos, dorme.
Só eu permaneço acordada. Será?
Miau. Na janela do apartamento ao lado, o gato rajado divide comigo a sua insônia.
- Boa noite, amigo. Bom saber que tenho companhia.
Miau. E é só o que sabe dizer o companheiro, que tendo sido privado de sua liberdade, ali permanece porque essa é a vontade de seus donos, que o querem como um bibelô, e não como um animal de verdade, um caçador, um namorador que adora cantar um lamento para atrair a fêmea e depois do amor, saltar pelos telhados, esconder-se sob os carros, pendurar-se em algum lugar para, finalmente, dormir...
Penso no quanto somos mesquinhos e maus, aprisionando egoisticamente o objeto do nosso amor.
Mas quem ama prende?
Quem ama impõe ao outro a sua vontade?
Tenho pena do gato.
Tenho pena em saber que ele não pode gozar a liberdade de exercer o direito de ser um animal livre, como lhe outorgou a natureza.
Até a castração lhe foi imposta quando ele, obedecendo ao instinto natural, fugiu de casa para namorar.
Que castigo! Castração e prisão domiciliar.
Nós moramos no quarto andar do prédio e ele poderia, se quisesse, pular para a liberdade, mas curiosamente, não o faz. Seria uma lembrança da castração? Talvez.
E ficamos lá. Ambos olhando o ceu e sonhando acordados com uma possível estrela para nós dois.
De vez em quando ele olha para mim e mia, e eu apenas reflito na incapacidade humana de respeitar o direito alheio...

segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Supremo bem


Trazes no olhar
a suavidade dos luares,
e nas mãos os bálsamos salutares
para os nossos corações...

Jesus,
supremo bem
de nossas vidas,
nossas almas redimidas
agradecem o Teu Amor.


segunda-feira, 25 de julho de 2016

Cartão de crédito


A mulher, aproveitando-se das circunstâncias, reduz o marido a pó!
O motivo?  Ele esquecera o cartão de crédito em casa e a compra teve que ser cancelada.
Não satisfeita em humilhá-lo no estabelecimento comercial, veio vociferando pelo caminho:
- Você não presta pra nada mesmo... Nem pra fazer a alegria do nosso neto, que espera pelo brinquedo há dias... E eu que ainda me fio em você... É bem feito pra minha cara!
Chegando em casa, acaba de despejar a raiva sobre a criança que brincava tranquilamente no balanço do quintal:
- O traste do seu avô, esqueceu o cartão em casa e você ficou sem seu brinquedo. Veja lá se não vai seguir o exemplo dele quando crescer também.
O marido, visivelmente amargurado, a cara amarrada, o velho arrependimento de não ter desfeito aquele casamento há anos, joga-se na poltrona da saleta e esconde o rosto entre as mãos.
O menino aproxima-se, o abraça com carinho e na simplicidade terna das crianças, fala com sabedoria:
- Vovô, só tem uma coisa que você não pode esquecer nunca!
E o avô, ainda mergulhado naquela atmosfera pesada, levanta a cabeça, sustenta o olhar da criança e pergunta com desalento:
- E o que pode ser mais importante do que um cartão de crédito, menino?

- A sua alegria, meu avô!

sexta-feira, 15 de julho de 2016

Poderes


O prefeito continuava falando ao telefone, em pé e de frente para a imensa e panorâmica janela de seu gabinete, embora tivesse autorizado a entrada de sua próxima entrevistada.
Quando após alguns arrastados minutos finalmente dignou-se a encerrar o telefonema e voltar-se para sua mesa, quase caiu!
A sua frente, uma linda mulher de cabelos negros e lisos, quase à cintura, emoldurando um rosto perfeito, com duas covinhas estonteantes esperava em silêncio e uma certa ironia no olhar.
O homem, sem conseguir disfarçar a própria surpresa, saiu tropeçando nas palavras.
- Desculpe-me, mas sabe como é vida de governante... Você é...
- Violeta. Decidi vir pessoalmente falar com o senhor porque, infelizmente, por telefone é impossível!
- Vou mandar investigar essa situação do telefone imediatamente. Mas em que posso ajudar?
- Recebi esta multa da prefeitura e este aviso para não exercer mais a minha profissão, disse ela girando o corpo para pegar o documento dentro da bolsa, enquanto o prefeito, sem a menor discrição, percorria com o olhar seu belo corpo moreno.
- Deve estar havendo algum engano, senhorita.
- Senhora.
- Perdoe-me, senhora. Do que se trata mesmo?
- Sou cartomante e o senhor proibiu a propaganda do meu trabalho. Mandou apagar o anúncio que paguei caro, para pintarem nos muros da cidade. Como as pessoas vão saber que eu existo, se eu não divulgar, senhor prefeito? O que o senhor tem contra a minha profissão?
- Eu?! Deve haver algum lamentável engano. Eu acredito em cartomancia. Vou até confiar-lhe um segredo: minha avó lia cartas.
- Mas por que tem que ser um segredo? Ler cartas é um dom, um privilégio. Se assim não fosse, todo mundo estaria apto a fazer isso. Ou o fato deve ser segredo por tratar-se da avó de uma autoridade?
- Sabe como são as questões políticas... muitas vezes temos que parecer o que não somos para não ferir interesses...
- Realmente eu nada sei sobre questões políticas, mas sei bastante da profissão que exerço e que preciso dela para sobreviver. Cartomantes pagam contas e impostos, e o senhor há de convir que os impostos que pagamos no Brasil, além de serem muitos, são altíssimos!
- Nem me fale! Mas pode deixar que vou ver com calma a sua situação.
- O prefeito me desculpe, mas eu preciso que o senhor RESOLVA a minha situação, e não a veja com calma. As contas podem até esperar, mas os juros não recebem ordens...
- Vamos resolver. Por acaso a Madame trouxe as suas cartas?
- Sim. Tenho um atendimento agendado para hoje a uma grande dama da sociedade e por isso as trouxe comigo.
- Grande dama da sociedade, é? Eu devo conhecer, com certeza. De quem se trata?
- Por questões éticas não posso, nem devo, revelar nomes.
O prefeito aciona o interfone e dá uma ordem à secretária:
- Estou em reunião.
- Sim senhor.
A cartomante forra uma parte da mesa presidencial com sua toalha de seda com pinturas emblemáticas, cobre os ombros com um belíssimo xale espanhol, retira o baralho de uma caixa recoberta em pedrarias exóticas, diz algumas palavras cabalísticas, coloca as cartas sobre a toalha e pede ao prefeito para cortar o baralho com a mão esquerda.
  Com os olhos ora fixos nas cartas, ora nos olhos daquele homem que comanda o destino de uma cidade enorme, mas, que, literalmente, agora está em suas mãos, ansiando por suas palavras e pelo seu corpo também, ela joga.
Responde a quase tudo que ele quer saber, menos que a alta dama da sociedade que dali a algumas horas ela atenderá em um local discreto e afastado do centro da grande cidade, trata-se de sua própria mulher...

“As cartas não mentem jamais!” Mas as cartomantes podem omitir o que não lhes convém revelar.

domingo, 19 de junho de 2016

O guarda chuva amarelo


Era mágico, mas creio que o vendedor não sabia! O sol forte obrigara-me a comprá-lo e em meio a tantos escolhi aquele: o amarelo!

Quando o abri, ah! Que beleza! Como uma tenda mágica ele mostrava belíssimos cenários: praias, montanhas, florestas, cidades inteiras e cada gente tão bonita que eu até me esqueci da vida e fiquei a admirar o pequeno objeto que eu comprara, apenas para me proteger do calor!

E lá fui eu sob meu guarda chuva amarelo que aos olhos dos outros era comum, mas, para mim, como era belo e como interagia comigo!

Quem passava por mim sequer imaginava que sob um simples guarda chuva ia alguém que sonhava e em cores, com irmãos mais distantes ou com todos os seus amores, simples assim!

No abrir de um guarda chuva ou guarda sol, como queiram, quantas luzes... Quanta gente, como se fosse uma grande feira e só com pessoas maneiras pensando e fazendo o Bem!


Como eu queria que todo mundo pudesse, como eu, encontrar um dia, o seu guarda chuva amarelo também!

domingo, 12 de junho de 2016

Acalanto

Esse teu corpo
lembra a rede mansa
que eu gosto tanto
de me enroscar...
E tua voz dizendo meu nome
parece acalanto a me embalar...
E esse teu olhar, não sei não,
- bonito como o sol na beira do mar -
é chama que me aquece o coração,
doidinho pra te amar...

Constatação



Então você tem um amor...

E afinal, quem não tem:
um segredo guardado, um desejo danado
de se ter um bem?
De sair por aí, em noites de lua pra namorar...
E um gostoso arrepio sentindo na pele
pela leveza de se entregar
ao falar amoroso, ao olhar carinhoso
do seu par!

segunda-feira, 6 de junho de 2016

Delírios


Madrugada alta, verão pleno, janela aberta,
sou despertada pela lua cheia que, delicada,
num jeito especial de quem não tem o costume
de fazer comentários maldosos sobre o que vê,
conta-me ao ouvido, alguns segredos alcoviteiros.
E eu, cúmplice, aquiesço e pisco o olho para ela.
Mas Hipnos, por ciúmes talvez,
toma-me novamente em seus braços           
raptando-me aos domínios de Morfeu.
Manhã bem cedinho, sob o sol encantador,
eu desperto e,  quem sabe, para sorte tua, 
me faço completamente esquecida
do que me contou a Lua.


sábado, 21 de maio de 2016

Rota


Acende um sorriso no teu rosto,
confia no Senhor
e vai!
Segue - confiante - a rota que escolheste, 
assim que deixaste a casa do Pai.

segunda-feira, 9 de maio de 2016

Sintonia


Ouça a minha voz

       como se ela fosse

               uma flauta doce

                     à beira do mar!

Num dueto com

                o oceano...

                   ... a te chamar!

sábado, 30 de abril de 2016

Reminiscência


Quando eu era ela
morava num bosque em flor,
e ouvia a natureza – seresteira apaixonada –
a cantar lindos poemas de amor.

Quando eu era ela
cavalgava ao luar - noite alta, madrugada -
em seus braços, vida minha,
eu ia me agasalhar.

Ai! Triste é viver assim:
em meio a tantas lembranças,
- coração sem esperanças -
com saudade de mim.

domingo, 17 de abril de 2016

A torre da solidão


O discípulo aguarda o seu bondoso mestre para a última lição que encerraria sua temporada no Colégio das Montanhas Cobertas.
Está triste.

O mestre aproxima-se, faz a saudação habitual, senta-se sobre os joelhos, os olhos fechados, a respiração serena, meditação profunda, expressão de paz.

- O que te aflige?
- O medo.
- E por quê?
- Dei-lhe abrigo em meu peito e, cada vez que tento colher o pomo da coragem na árvore da sabedoria, ele, em serpente transformado, ameaça atacar-me sem piedade. Todas as outras tarefas a mim confiadas eu cumpri com alegria e boa vontade, mas vencer o medo...

O mestre, até então calado, convida o jovem a uma viagem no tempo. Sua voz pausada e firme é o leme seguro, o fio de Dédalo no labirinto das lembranças.                                               
 - Estiveste encerrado, durante a grande noite das nove luas negras,  na temível torre da solidão. E, porque blindada, não permite a quem ali é encerrado sequer uma réstia de luz. Espaço reduzido, alagado, vedado ao som, e a qualquer possibilidade de comunicação exterior, aguça no prisioneiro todos os sentidos que o capacita vencer até mesmo a fome e a sede, durante o longo período de isolamento ao qual é submetido.

Exímio nadador te tornaste para que pudesses resistir com bravura, à prova da submersão até que o tempo fosse cumprido e obtivesses a permissão de descer da torre, atravessar a grande caverna para finalmente vir saborear o mel e o sal da vida. Lembras?

- Não. - soluçou o discípulo.
- Mas há provas sobre tudo isso!
- Onde?
- Levanta e caminha até o lago.

O discípulo, obediente ao seu Mestre, levantou-se e, inseguro e trêmulo, caminhou até a beira do lago que refletia sereno o azul do céu e a brancura de algumas nuvens.

- Curva-te e observa atentamente o espelho das águas.

Ele olha atônito para a água que, a princípio, lhe parece turva.

- Seque as lágrimas. São elas que tornam turva a água que vês.

O discípulo olha, olha, e, desiludido, retorna ao seu mestre, que imperturbável, mantém-se ainda sentado sobre os joelhos numa integração total com o universo, com a natureza e consigo mesmo.

- O que tu viste?
- O céu, as nuvens refletidas, mestre.
- O que mais?
- Nada mais.
- Quem tu viste?
- Eu?!
- Tinha alguém mais ao teu lado?
- Não, senhor.
- Então, meu filho, és a prova cabal do que relatei.
- Mas e a noite das nove luas negras, o que é?
- O período normal da gestação.
- E a torre?
- O útero materno.
- E a lição do medo?
- Está encerrada na coragem de aceitar a vida.



terça-feira, 5 de abril de 2016

Ímpeto

Os versos vieram em revoada,
quando Poesia, então recém-chegada,
escancarou-me as janelas do coração.
E eu não tinha como detê-los em seu voo
de gaivotas que, aos bandos, buscam a manhã
na nudez cariciosa das praias morenas
que se exibem ao sol, na leveza do dia.
Vinham os versos e a mão que trêmula se faz
empunha o lápis qual mastro seguro e iça o pendão,
cujo lema é apenas um poema, nada mais...


segunda-feira, 28 de março de 2016

Nenzinha


- Sabia que teu pai já tomou a bênção a maluco?
Alfinetou de forma sagaz, minha mãe, no intuito de ridicularizar a figura paterna.
- Conta aí, pai.
E papai, sem se fazer de rogado, puxa a cadeira, cruza a perna, acende um cigarro, e bom narrador que sempre foi, sem pressa, desfia o seu rosário de lembranças.
“ Mamãe tinha por mania mandar os filhos fazer recado pra ela. Fazer recado era levar e trazer notícias de alguém. E nunca faltava a merenda, que ela fazia questão de mandar.
Dessa vez era para uma comadre sua, que morava mais distante e pra ir num pé e voltar no outro, como rezava o costume, a gente era obrigado a ir a cavalo ou de condução.
Quituteira de mão cheia, mamãe preparava tudo com muito gosto, fazia o embrulho bem apertado e finalizava com uma toalhinha de prato quadriculada, que era pra ficar bem atado na cela, sem risco de a gente deixar cair.
Naquela época, lá pelos meus doze, treze anos mais ou menos, o povo contava que por aquelas bandas vagava Nenzinha, uma moça que perdera a razão depois da morte de seu único filho.
Eu, depois de ouvir as muitas recomendações e rezas de mamãe, montei o cavalo e parti pra casa de madrinha Bertha, que, por acaso, era madrinha de meu irmão caçula, mas em casa, os padrinhos de um eram de todos. E éramos dez irmãos...
A estrada, em certos trechos, era ornamentada nas laterais por cercas vivas feitas por um tipo de planta que se trançava e dessa forma impedia a fuga de alguns animais das fazendas vizinhas e também o olhar curioso dos que seguiam caminho afora.
Antes da curva que indicava o limite da casa de madrinha, feito um corisco, veio o pensamento que eu, inutilmente, tentava evitar:
Já pensou se Nenzinha aparece por aqui? Eu aqui, sozinho, faço o quê?
Dizem que pensar atrai tudo que a gente não quer e logo depois da curva, feito uma assombração, um bicho acuado, com um grito de arrepiar até a alma, surge a figura temida!
Os cabelos eriçados, a roupa maior que o corpo, a face maltratada, mãos e unhas enegrecidas pela poeira da estrada, fez o cavalo refugar e eu, impelido pelo medo de cair da montaria, apeei às pressas e, frente a frente com Nenzinha, o coração disparado pelo susto, meio que nem sem saber como, a voz saindo mais do estômago que da garganta, gritei:
- Abeeeença!
Ela sorriu e se foi. Desapareceu mato adentro e eu segui o resto do caminho a pé, puxando a montaria pela rédea, porque faltou força pra subir no lombo do animal.”
Assim era meu pai. Uma figura ímpar. Um proseador de primeira. Que talvez, sem saber, tenha deixado em mim o gosto da prosa e da cantoria.



domingo, 20 de março de 2016

Secreta


Eu queria ser um gato negro,
negro como a noite,
com olhos de luar.

Galgar os lugares mais altos,
saltar de telhado em telhado,
até alcaçar - sem qualquer exaustão -
o solo sagrado do teu coração.