O discípulo
aguarda o seu bondoso mestre para a última lição que encerraria sua temporada
no Colégio das Montanhas Cobertas.
Está
triste.
O mestre
aproxima-se, faz a
saudação habitual, senta-se sobre os joelhos, os olhos fechados, a respiração
serena, meditação profunda, expressão de paz.
- O que te
aflige?
- O medo.
- E por quê?
- Dei-lhe
abrigo em meu peito e, cada vez que tento colher o pomo da coragem na árvore da
sabedoria, ele, em serpente transformado, ameaça atacar-me sem piedade. Todas
as outras tarefas a mim confiadas eu cumpri com alegria e boa
vontade, mas vencer o medo...
O mestre,
até então calado, convida o jovem a
uma viagem no tempo. Sua voz pausada e firme é o leme seguro, o fio de Dédalo
no labirinto das lembranças.
- Estiveste
encerrado, durante a grande noite das nove luas negras, na temível torre da solidão. E, porque
blindada, não permite a quem ali é encerrado sequer uma réstia de luz. Espaço
reduzido, alagado, vedado ao som, e a qualquer possibilidade de comunicação
exterior, aguça no prisioneiro todos os sentidos que o capacita vencer até
mesmo a fome e a sede, durante o longo período de isolamento ao qual é
submetido.
Exímio
nadador te tornaste para que pudesses resistir com bravura, à prova da
submersão até que o tempo fosse cumprido e obtivesses a permissão de descer da
torre, atravessar a grande caverna para finalmente vir saborear o mel e o sal
da vida. Lembras?
- Não. -
soluçou o discípulo.
- Mas há
provas sobre tudo isso!
- Onde?
- Levanta e
caminha até o lago.
O
discípulo, obediente ao seu Mestre, levantou-se e,
inseguro e trêmulo, caminhou até a beira do lago que refletia sereno o azul do
céu e a brancura de algumas nuvens.
- Curva-te
e observa atentamente o espelho das águas.
Ele olha
atônito para a água que, a princípio, lhe parece turva.
- Seque as
lágrimas. São elas que tornam turva a água que vês.
O discípulo
olha, olha, e, desiludido, retorna ao seu mestre, que imperturbável, mantém-se
ainda sentado sobre os joelhos numa integração total com o universo, com a
natureza e consigo mesmo.
- O que tu
viste?
- O céu, as
nuvens refletidas, mestre.
- O que
mais?
- Nada mais.
- Quem tu
viste?
- Eu?!
- Tinha
alguém mais ao teu lado?
- Não,
senhor.
- Então,
meu filho, és a prova cabal do que relatei.
- Mas e a
noite das nove luas negras, o que é?
- O período
normal da gestação.
- E a
torre?
- O útero
materno.
- E a lição
do medo?
- Está
encerrada na coragem de aceitar a vida.