sábado, 30 de abril de 2016

Reminiscência


Quando eu era ela
morava num bosque em flor,
e ouvia a natureza – seresteira apaixonada –
a cantar lindos poemas de amor.

Quando eu era ela
cavalgava ao luar - noite alta, madrugada -
em seus braços, vida minha,
eu ia me agasalhar.

Ai! Triste é viver assim:
em meio a tantas lembranças,
- coração sem esperanças -
com saudade de mim.

domingo, 17 de abril de 2016

A torre da solidão


O discípulo aguarda o seu bondoso mestre para a última lição que encerraria sua temporada no Colégio das Montanhas Cobertas.
Está triste.

O mestre aproxima-se, faz a saudação habitual, senta-se sobre os joelhos, os olhos fechados, a respiração serena, meditação profunda, expressão de paz.

- O que te aflige?
- O medo.
- E por quê?
- Dei-lhe abrigo em meu peito e, cada vez que tento colher o pomo da coragem na árvore da sabedoria, ele, em serpente transformado, ameaça atacar-me sem piedade. Todas as outras tarefas a mim confiadas eu cumpri com alegria e boa vontade, mas vencer o medo...

O mestre, até então calado, convida o jovem a uma viagem no tempo. Sua voz pausada e firme é o leme seguro, o fio de Dédalo no labirinto das lembranças.                                               
 - Estiveste encerrado, durante a grande noite das nove luas negras,  na temível torre da solidão. E, porque blindada, não permite a quem ali é encerrado sequer uma réstia de luz. Espaço reduzido, alagado, vedado ao som, e a qualquer possibilidade de comunicação exterior, aguça no prisioneiro todos os sentidos que o capacita vencer até mesmo a fome e a sede, durante o longo período de isolamento ao qual é submetido.

Exímio nadador te tornaste para que pudesses resistir com bravura, à prova da submersão até que o tempo fosse cumprido e obtivesses a permissão de descer da torre, atravessar a grande caverna para finalmente vir saborear o mel e o sal da vida. Lembras?

- Não. - soluçou o discípulo.
- Mas há provas sobre tudo isso!
- Onde?
- Levanta e caminha até o lago.

O discípulo, obediente ao seu Mestre, levantou-se e, inseguro e trêmulo, caminhou até a beira do lago que refletia sereno o azul do céu e a brancura de algumas nuvens.

- Curva-te e observa atentamente o espelho das águas.

Ele olha atônito para a água que, a princípio, lhe parece turva.

- Seque as lágrimas. São elas que tornam turva a água que vês.

O discípulo olha, olha, e, desiludido, retorna ao seu mestre, que imperturbável, mantém-se ainda sentado sobre os joelhos numa integração total com o universo, com a natureza e consigo mesmo.

- O que tu viste?
- O céu, as nuvens refletidas, mestre.
- O que mais?
- Nada mais.
- Quem tu viste?
- Eu?!
- Tinha alguém mais ao teu lado?
- Não, senhor.
- Então, meu filho, és a prova cabal do que relatei.
- Mas e a noite das nove luas negras, o que é?
- O período normal da gestação.
- E a torre?
- O útero materno.
- E a lição do medo?
- Está encerrada na coragem de aceitar a vida.



terça-feira, 5 de abril de 2016

Ímpeto

Os versos vieram em revoada,
quando Poesia, então recém-chegada,
escancarou-me as janelas do coração.
E eu não tinha como detê-los em seu voo
de gaivotas que, aos bandos, buscam a manhã
na nudez cariciosa das praias morenas
que se exibem ao sol, na leveza do dia.
Vinham os versos e a mão que trêmula se faz
empunha o lápis qual mastro seguro e iça o pendão,
cujo lema é apenas um poema, nada mais...