O prefeito continuava falando ao telefone, em pé e de
frente para a imensa e panorâmica janela de seu gabinete, embora tivesse
autorizado a entrada de sua próxima entrevistada.
Quando após alguns arrastados minutos finalmente
dignou-se a encerrar o telefonema e voltar-se para sua mesa, quase caiu!
A sua frente, uma linda mulher de cabelos negros e
lisos, quase à cintura, emoldurando um rosto perfeito, com duas covinhas estonteantes
esperava em silêncio e uma certa ironia no olhar.
O homem, sem conseguir disfarçar a própria surpresa,
saiu tropeçando nas palavras.
- Desculpe-me, mas sabe como é vida de governante...
Você é...
- Violeta. Decidi vir pessoalmente falar com o senhor
porque, infelizmente, por telefone é impossível!
- Vou mandar investigar essa situação do telefone
imediatamente. Mas em que posso ajudar?
- Recebi esta multa da prefeitura e este aviso para não
exercer mais a minha profissão, disse ela girando o corpo para pegar o documento
dentro da bolsa, enquanto o prefeito, sem a menor discrição, percorria com o
olhar seu belo corpo moreno.
- Deve estar havendo algum engano, senhorita.
- Senhora.
- Perdoe-me, senhora. Do que se trata mesmo?
- Sou cartomante e o senhor proibiu a propaganda do meu
trabalho. Mandou apagar o anúncio que paguei caro, para pintarem nos muros da
cidade. Como as pessoas vão saber que eu existo, se eu não divulgar, senhor
prefeito? O que o senhor tem contra a minha profissão?
- Eu?! Deve haver algum lamentável engano. Eu acredito
em cartomancia. Vou até confiar-lhe um segredo: minha avó lia cartas.
- Mas por que tem que ser um segredo? Ler cartas é um
dom, um privilégio. Se assim não fosse, todo mundo estaria apto a fazer isso. Ou
o fato deve ser segredo por tratar-se da avó de uma autoridade?
- Sabe como são as questões políticas... muitas vezes
temos que parecer o que não somos para não ferir interesses...
- Realmente eu nada sei sobre questões políticas, mas
sei bastante da profissão que exerço e que preciso dela para sobreviver.
Cartomantes pagam contas e impostos, e o senhor há de convir que os impostos
que pagamos no Brasil, além de serem muitos, são altíssimos!
- Nem me fale! Mas pode deixar que vou ver com calma a
sua situação.
- O prefeito me desculpe, mas eu preciso que o senhor
RESOLVA a minha situação, e não a veja com calma. As contas podem até esperar,
mas os juros não recebem ordens...
- Vamos resolver. Por acaso a Madame trouxe as suas
cartas?
- Sim. Tenho um atendimento agendado para hoje a uma grande
dama da sociedade e por isso as trouxe comigo.
- Grande dama da sociedade, é? Eu devo conhecer, com
certeza. De quem se trata?
- Por questões éticas não posso, nem devo, revelar nomes.
O prefeito aciona o interfone e dá uma ordem à
secretária:
- Estou em reunião.
- Sim senhor.
A cartomante forra uma parte da mesa presidencial com
sua toalha de seda com pinturas emblemáticas, cobre os ombros com um belíssimo
xale espanhol, retira o baralho de uma caixa recoberta em pedrarias exóticas,
diz algumas palavras cabalísticas, coloca as cartas sobre a toalha e pede ao
prefeito para cortar o baralho com a mão esquerda.
Com os olhos
ora fixos nas cartas, ora nos olhos daquele homem que comanda o destino de uma
cidade enorme, mas, que, literalmente, agora está em suas mãos, ansiando por
suas palavras e pelo seu corpo também, ela joga.
Responde a quase tudo que ele quer saber, menos que a
alta dama da sociedade que dali a algumas horas ela atenderá em um local discreto
e afastado do centro da grande cidade, trata-se de sua própria mulher...
“As cartas não mentem jamais!” Mas as cartomantes podem
omitir o que não lhes convém revelar.