A insônia é um fator que ocorre apenas com a raça
humana, certo?
Eu ousaria questionar essa assertiva.
A madrugada silenciosa e tranquila é um convite à
janela para contemplar o infinito...
As estrelas atraem-me o olhar que percorre, sem pressa, a beleza do universo.
O grande conjunto onde resido, há séculos, dorme.
Só eu permaneço acordada. Será?
Miau. Na janela do apartamento ao lado, o gato rajado divide comigo a sua insônia.
- Boa noite, amigo. Bom saber que tenho companhia.
Miau. E é só o que sabe dizer o companheiro, que tendo
sido privado de sua liberdade, ali permanece porque essa é a vontade de seus
donos, que o querem como um bibelô, e não como um animal de verdade, um
caçador, um namorador que adora cantar um lamento para atrair a fêmea e depois do
amor, saltar pelos telhados, esconder-se sob os carros, pendurar-se em algum
lugar para, finalmente, dormir...
Penso no quanto somos mesquinhos e maus, aprisionando
egoisticamente o objeto do nosso amor.
Mas quem ama prende?
Quem ama impõe ao outro a sua vontade?
Tenho pena do gato.
Tenho pena em saber que ele não pode gozar a liberdade
de exercer o direito de ser um animal livre, como lhe outorgou a natureza.
Até a castração lhe foi imposta quando ele, obedecendo
ao instinto natural, fugiu de casa para namorar.
Que castigo! Castração e prisão domiciliar.
Nós moramos no quarto andar do prédio e ele poderia, se
quisesse, pular para a liberdade, mas curiosamente, não o faz. Seria uma
lembrança da castração? Talvez.
E ficamos lá. Ambos olhando o ceu e sonhando acordados
com uma possível estrela para nós dois.
De vez em quando ele olha para mim e mia, e eu apenas reflito
na incapacidade humana de respeitar o direito alheio...