domingo, 30 de outubro de 2016

O ganso e o porquinho


Zuzu, o porquinho cor de rosa, soluçava tristemente, com a carinha apoiada na abertura da alta sacada da casa onde ele vivia.

- Oh, que triste sorte a minha... Eu gostaria de ganhar asas para libertar-me desta prisão.

De repente, um barulho forte de asas imensas e vigorosas, intimidaram o pequeno animal.

- Não tenha medo, Zuzu. Sou eu, Hans, o ganso guardião dos sonhos de todos os animais.

- Oh, muito obrigado por sua visita, bondoso guardião! Estou tão triste e angustiado, que mesmo me sabendo totalmente sadio, sinto dores no corpo inteiro...

- Fale sobre a sua angústia amiguinho. O diálogo é um medicamento bom e costuma ser eficaz contra os males que nos afligem a alma.

- Meu problema central é sobre a imposição dos humanos em minha vida. Sou um animal e a natureza me deu os meios necessários para que eu viva bem.

- No entanto você tem uma vida luxuosa, Zuzu.

- Com efeito! Mas alguém me perguntou se eu preciso disso? Eles impõem a mim suas próprias condições e necessidades humanas, como se tivesse perdido o meu papel de animal na natureza!

- De fato há pessoas que são incapazes de reconhecer e aceitar os aspectos simples da vida.

- Eu permaneço distante do solo e das estrelas, encarcerado nessa verdadeira torre e totalmente sozinho... Por isso desejei ter asas.

- Veja, as pessoas desejam humanizá-lo e você quer ser uma ave?!

- Perdão! Muitas vezes, a solidão, a falta dos nossos pares para trocarmos confidências, medos, carícias e outras coisas, momentaneamente, faz com que percamos o equilíbrio emocional.

- Você não precisa pedir perdão, criança!  Asas você não pode ganhar, mas...

- ... mas o quê, Hans?

-  Eu posso levá-lo a um voo pelo infinito, se você não tiver medo.

- E como seria isso?

- Suba nas minhas costas – disse o ganso, abaixando o seu corpo.

E logo, logo, o céu ganhou uma estranha cena: um grande e vigoroso ganso voando com um porquinho grudado em seu dorso.

Zuzu sentiu-se tão feliz, que esqueceu totalmente as angústias do coração.                     
Viu outros povos, outros costumes, montanhas, rios, mares, bosques, florestas, fazendas, animais... Muitas coisas viu Zuzu.
Quase no começo da manhã, Hans devolveu o porquinho a sua moradia.

- Você voltará, Hans?

- Sim! Quando puder, voltarei.

- Mas o que eu poderia fazer para não me sentir tão chateado?
- Escreva histórias, Zuzu. Até breve!

- Até… Hans! Um momentinho, por favor.

- O que houve? Disse o ganso, dando uma meia volta no ar e apoiando-se sobre a sacada.

- Em que língua eu devo escrever as histórias?

- Boa pergunta! Escreva em Esperanto.

- Por quê?

- Porque só assim cada povo poderá traduzir para sua própria língua, ampliando o conhecimento e o prazer de ler.


Nota: este conto foi escrito por mim, originalmente na Lingua Internacional Esperanto e publicado na Revista Brazila Esperantisto, editada pela Liga Brasileira de Esperanto, com sede em Brasília, DF

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

O lado bom de tudo


Onde quer que estivesse, Eustáquio ouvia quase sempre a mesma resposta aos seus lamentos:
“Tudo tem um lado bom!”
E ele saía furioso porque acreditava que sua queixa tão justa contra aquela maldita alergia, era vista como deboche.
Quem falava que tudo tinha um lado bom, não sabia o que era passar pelas crises de espirros sucessivos que lhe sucediam ao ter contato com qualquer tipo de flor.
O coitado do homem quase perdia a respiração e a razão também!
Tudo passava a ser motivo de recusa: casamentos, aniversários, até enterros!
- Pra quê morto precisa de flores? Já morreu mesmo! O lado bom é que já não sente mais cheiros, e sendo assim, se for alérgico como eu, não vai ter mais problemas.
E o gênio ruim de Eustáquio se agravava por conta da maldita alergia, que era como ele classificava o distúrbio.
- Procure um médico, Eustáquio! Reclamava a mulher, já esgotada com a atitude do marido.
- Esses incompetentes só sabem entupir a gente com aqueles malditos antialérgicos, que dão tanto sono que se bobear, o sujeito cai no meio da rua! E eu faço o quê da vida? Preciso estar acordado, e bem acordado, pra trabalhar. Como vou ficar no trabalho, feito um sonâmbulo? Devia mesmo era morrer de uma vez!
- Pare de blasfemar, homem! Agradeça! Quem sabe essa alergia ainda venha a salvar-lhe a vida!
- Ora, vai pro inferno!
E a mulher se benzia e pedia perdão a Deus pelo descontrole do marido, que era um bom homem, responsável, honesto e trabalhador e sofria muito mais pela impaciência que pela alergia.
Até que um dia, vítima de mal súbito, Eustáquio enfartou.
Declarada a morte, foi levado para a capela mortuária e o serviço funerário, cumprindo as normas contratuais, cercou o corpo com as famosas flores de defunto.
Capela cheia, aquele ambiente pesado e comprido, de repente o inusitado: o falecido começou a espirrar! e sentando-se no caixão, gritou a plenos pulmões:
- Quem foi que me cobriu com essas malditas flores? Que brincadeira estúpida é essa?
Ele não havia se dado conta da gravidade da situação e quando afinal, percebeu o que se passava, tremendo, suando e gaguejando, implorou que o tirassem dali o mais rápido possível!
Os piedosos presentes, como alguns colegas, vizinhos e parentes de Eustáquio, antes de socorrê-lo, como que regidos por um maestro invisível, bradaram a uma só voz:
“Viu, Eustáquio, tudo tem um lado bom!”
Não se sabe por quais mecanismos da mente, o nosso personagem não só curou-se como passou a cultivar esses seres tão maravilhosos que Deus usa para ornamentar a Terra.
Na entrada de sua casa, uma placa de madeira entalhada com flores exibe a seguinte frase esculpida em 3D, com esmero:
                     TUDO TEM UM LADO BOM!


segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Aprendiz de feiticeira


Ai, como eu queria
ser uma feiticeira...
E de qualquer maneira,
ganhar teu coração!

Saber todas as coisas
que faz uma mulher
para ter sempre ao seu lado,
o homem que ela quer!

Te seduzir, conquistar,
te envolver, namorar,
num carinho sem fim!
Só pra sentir o prazer
de receber teu amor todo pra mim!