Lalá estava tão concentrada no seu audacioso projeto, que
estremeceu ao ouvir aquela voz, que conhecia tão bem, repreendê-la:
- O que você pensa que está fazendo aí, Lalá?
- Um par de asas, Mãe Natureza.
- Quer ir contra as minhas Leis?
- Não, quero apenas voar.
- Você ainda não aprendeu a esperar que Tempo entregue em
suas mãos o relógio que lhe cabe?
- Mas eu não tenho o direito de construir o que eu
desejo?
- Sim, contudo há coisas que não se pode pretender
adiantar. Primeiro você deverá cumprir o seu destino de lagarta. Seja obediente
e no momento certo, Tempo lhe permitirá o voo.
Mas Lalá não queria saber de tanta espera. Ela estudara
bastante sobre aerodinâmica, proporção, propriedade dos materiais, portanto,
era capaz, sim, de construir as suas asas! Para que e porque esperar tanto, se
ela sabia que estava pronta?
Na hora que Mãe Natureza visse tudo o que ela construira,
e com perfeição, certamente aprovaria o seu projeto realizado com tanto empenho
e capricho.
Estava cansada de sentir-se tão limitada! O máximo que
conseguia fazer era subir numa árvore e ficar olhando o mundo lá de cima. Ah, que
chatice!
Levou tudo que havia coletado para o interior da grande
árvore, acendeu a lanterninha de vagalumes e deu-se a tecer, colar, trançar com
tanto afinco que não se deu conta das horas.
Quando a madrugada acendeu o lampião no horizonte, Lalá
começou a sentir uma tontura estranha. Lembrou-se então que ficara sem se
alimentar e sem dormir! Bom, poderia dormir durante o dia, claro!
Mas Mãe Natureza começara muito mais cedo a sua ronda e
ao observar o interior da árvore que hospedava as lagartinhas, flagrou Lalá
dormindo sentada sobre a mesinha de refeições.
Sentou-se do lado de fora da grande árvore e ficou à
espera daquela rebeldezinha inveterada, que ousava desafiá-la! E ela estava
muito brava!
Lalá sentiu que algo não estava bem. Não se tratava dela
apenas, mas algo além de si mesma. Decidiu sair da toca para averiguar e...
- Estou aguardando a sua explicação.
- Mãe, eu...
- O que é que tem você?!
- Eu só queria provar pra mim mesma e para você, que sou
capaz de fazer algo por mim, por minha própria iniciativa.
- Os frutos nascem antes da florada?
- Não.
- Os
pássaros abandonam no ninho os filhotes antes deles estarem prontos para voar?
-
Não.
- O
riacho muda a direção do seu curso quando bem quer?
-
Não.
- E
por que você pensa que pode sobrepor-se ao tempo?
-
Estou cansada de ter um corpo limitado, que não acompanha o meu pensamento.
-
Esqueceu-se que o destino de algumas lagartas é transformar-se em borboletas?
-
Mas e se eu não for esse tipo de lagarta?
-
Lalá...
-
Desculpe, Mãe Natureza. Eu não queria magoar você.
-
Não estou magoada.
-
Não?!
-
Estou enfurecida! Não gosto de ser desafiada dessa maneira.
- Me
desculpe, por favor! Eu não quis desafiar você. Quis desafiar a mim mesma.
-
Lalá, entenda uma coisa: as Leis Naturais têm o seu tempo certo para serem
cumpridas.
Lalá
estava envergonhada. Voltou para o interior da grande árvore e chorou.
Deitou-se, enrodilhou-se e adormeceu.
No
dia seguinte, sentiu uma vontade imensa de espreguiçar-se e era como se tivesse
braços longos...
Deixou
a árvore, mas não conseguia arrastar-se sobre o solo como antes.
Foi
até a pequena fonte e mirou-se no espelho d’água... Inacreditável! Ela era
agora, uma linda borboleta azul!
Estaria
sonhando? Ah, certamente estaria sonhando.
-
Lalá? Venha conosco! Junte-se ao seu grupo!
E
Lalá viu passarem cruzando o ar, como um lindo balé, um grupo de delicadas
borboletas tão azuis como ela. Experimentou as asas e lançou-se no espaço.
Voava... Sim! Voava!
Mas
em sonhos também voamos.
-
Lalá!
E ao
ouvir a voz de Mãe Natureza, que parecia sacudi-la de suas lutas contra si
mesma, ela acelerou o voo e sorriu.
-
Obrigada, Mãe Natureza! Obrigada!