sexta-feira, 26 de maio de 2017

A SétimaArte


Desde muito jovem fora fascinado pela chamada Sétima Arte. Tão logo tivesse uma chance, ei-lo em meio à sala de exibição dos grandes ou médios cinemas da cidade.

E o desvelo e seriedade com que acompanhava o desenrolar das histórias, que ganhavam aos poucos o movimento encantado dos rolos enormes a projetarem no telão os dramas, comédias, lendas, ficções ou quaisquer outros gêneros era tal, que chegava mesmo a intrigar, surpreender a quem o ouvisse em seu entusiasmo narrativo.

Era como se aquele universo fizesse parte de sua vida.

Uma tarde...

“Luzes! Câmera! Ação!”
“Aconchegue mais a moça ao seu corpo! Assim! Quero bastante realismo na próxima tomada!” Era a voz seca de um diretor, que atuava num humor daqueles...

Alguns segundos, e o nosso personagem não sabia sequer onde colocar as mãos, o raciocínio, a vergonha de sentir-se assim, totalmente exposto.

“Corta!”
“Isso tem que parecer o mais natural possível! Fui claro?!”

“Mas...”

“Não tenho tempo para argumentações.”

“Luzes! Câmera! Ação!”
“Beije a moça!”

”Mas como eu posso beijar uma desconhecida?!”

“Desconhecida? Eu?! Como ousa falar comigo assim? Uma atriz de fama internacional!”

“Perdoe-me, senhorita! Não quis ofendê-la! Aprecio demais a sua atuação e não perco um filme seu!”

“Falando assim eu posso até me apaixonar... Você é tão atraente...”

“Corta! Isso não está no script!”
“Silêncio!”
“Luzes! Câmera! Ação!”
“Beije a moça, já disse! Agora!”

“Mas eu não sou ator!”

“Corta! Cooorta!”

Inesperadamente ele volta-se para a tela e suplica a plenos pulmões:

“Socorro! Alguém me tire daqui, por favor!”

- E aí, amigo, posso ajudar em alguma coisa?

Era o lanterninha, que tocando de leve em seu ombro, num sorriso disfarçado, resmunga:

- Mas é cada uma que me aparece... além de dormir ainda sonha!”


sábado, 13 de maio de 2017

Mãos


Minha mãe tinha mãos quentes e fortes e orgulhava-se por conseguir abrir qualquer tipo de tampa.

Também dava-se à delicadeza do bordado em ponto cruz que fazia surgir a palavra ESPERANTO nos marcadores de livros ou desenhos variados nas toalhinhas de mão.

Gostava de mexer com a terra também e organizar tudo que lhe pertencia.

Pouco antes de morrer eu ainda brinquei com ela dizendo-lhe que precisava de sua força para abrir um pote de azeitonas para mim, e ela, entendendo a mensagem, levantou ambas as mãos num gesto simbólico que foi o último em sua passagem por aqui.

Não tive coragem de olhar o corpo de minha mãe.
Preferi guardar a última imagem de suas mãos, respondendo ao meu apelo.