sábado, 29 de dezembro de 2018

Preciosa lição

 Quando os problemas da vida
te levarem à exaustão,
recorda-te da árvore amiga
a preciosa lição:ada

Cortada quase à raíz,
ela de si não esquece,
e num desvelo incansável,
caules tenros refloresce!

quinta-feira, 16 de agosto de 2018

Shakespeare e eu


Encontrei Shakespeare em frente a estante de Literatura Estrangeira.
Se eu trabalhasse em outro segmento escolar, talvez estranhasse o acontecimento, mas na Sala de Leitura é fato comum a qualquer momento esbarrarmos com autores dos mais diversos.

- Bom dia, Sir Willians.
E ele, olhando-me sem surpresa, respondeu gentilmente:
- Bom dia, Mrs.
- Posso ajudá-lo?
- Não quero incomodar.
- Oh, além de ser um prazer, faz parte do meu trabalho.
- Procuro um livro.
- Sobre o que?
- Sobre o século atual.
- O século XXI.
- XXI?!
- Justamente.
- Não é possível!

E olhando detidamente para si mesmo, para mim e em torno, ao deparar-se com um computador, não se conteve:

- O que é aquilo?!
- Ah, é um computador. Venha, vou mostrar-lhe como funciona.
Impressionava o ar de incredulidade no rosto do escritor, que examinava atentamente a máquina, entre a surpresa e a curiosidade, sendo finalmente vencido por esta.

Numa viagem virtual fomos até a Inglaterra e Sir Willians absolutamente aturdido, sentou-se e fez a pergunta que eu já esperava:

- Estaria eu sonhando?
- Não, Sir, tudo isso é real.
- Mas não consigo compreender tal realidade! Vejo pessoas como eu, mas vestidas de forma absolutamente fora dos costumes da minha época, a minha Inglaterra com máquinas estranhíssimas, carruagens sem cavalos, construções que até mesmo em minhas histórias, eu jamais poderia imaginar...
- São marcas e conquistas da evolução.
- E aqui onde estamos seria alguma parte ainda não explorada da Inglaterra, eu suponho.
- Não. Aqui é o Brasil, na parte sul do Continente Americano.
Sir Willians, olhando-me sem crer em tudo que via e ouvira, pediu-me uma pena e um bloco de anotações.
Ao passar-lhe uma esferográfica, ele ergue os ombros, afasta as mãos e acrescenta:
- Onde está o tinteiro?
- Essas penas, ou canetas, como se chamam na modernidade, não precisam de tinteiro. Possuem uma esfera pequenina na ponta, que libera a tinta ao ser friccionada, demonstrei rabiscando uma folha de rascunhos, aumentando a perplexidade do escritor.
- Estaria eu em algum castelo de Merlin? Aquele mago é capaz de tudo!
- Merlin talvez seja responsável por sua viagem no tempo. O senhor está na Biblioteca de uma Escola Pública, alguns séculos após o seu. Veja! Temos todas as suas obras, ou quase todas...
- Meus livros no futuro?!
- Sim.

E os olhos do velho escritor marejaram-se ao ver exemplares em inglês e português como: O Rei Lear, Macbeth, Sonho de uma Noite de Verão, Otelo, Romeu e Julieta, O Mercador de Veneza, Hamlet, A Megera Domada, suas criações seculares compondo uma das estantes sem pompas ou arabescos, mas colorida e em linhas retas, de uma escola pública do século XXI.

E eu, por saber que ninguém acreditaria num fato tão pitoresco, decidi escrever, porque a Literatura encerra a doce magia de emprestar um ar de realidade ao que nos parece impossível de acontecer.


segunda-feira, 16 de julho de 2018

Nomes



A moradora de rua conversava animadamente com alguém.
Sorria, gesticulava e parava um pouco para ouvir seu interlocutor.

Aproximou-se um gozador, sorriu maliciosamente e lançou o veneno:
- Aê, tia... tá animado o papo hein! Qual é o nome do cara de hoje?

Ela interrompeu o diálogo, olhou para o gozador como se olhasse através dele e ao mesmo tempo para dentro de si mesma e respondeu sem pressa:
- Solidão... Medo... Indiferença... Miséria.

Calou-se o gozador.
Calou-se a moradora.
Iniciei um diálogo com o meu coração...

sexta-feira, 1 de junho de 2018

A surpresa


Quando eu cheguei ali no salão grande, bem cedinho, acreditando ser a primeira, ele já estava lá.

Sentadinho, discreto como sempre, quieto, a mão sobre a testa, os olhos fechados, igualzinho ele fazia quando morava ainda aqui, bem juntinho de nós.

Eu fiquei mudinha, com a respiração presa, pra não “atrapaiá” o estado de prece daquele homem tão amado por todos, principalmente os mais fracos, os mais necessitados nesta vida!

Mas será que era ele “memo”, meu Deus?

- Uai, e por que não, Maria? Perguntou ele com aquela mineirice de sempre.   
- Chico, meu fio! É “ocê memo”, criatura?
- E tem outro?
- Ter, num tem não. Mas eu garro matutar aqui com as minhas rezas e bentinhos: será que num tô caducando?
- Não tá não, Maria! Sou eu mesmo como diz o povo, em carne e osso, mas agora em espírito. Mas veja, minha irmã em Deus, vamos rezar juntos? Vamos fazer uma prece na intenção dos que não chegaram ainda, porque nós precisamos muito deles, né memo?
- Ô, Chico, mas eles “veve” dizendo que eles que precisam de nós, meu fio! Como é isso?
- Essa é uma estrada de duas vias, Maria. É daqui pra lá e de lá pra cá, esqueceu? Agora vamos aquietar o coração e deixar que eles venham na companhia dos bons mentores, dos servidores de Nosso Senhor Jesus Cristo.

 Então o Chico me deu a mão e eu fiquei chorando e vendo todo mundo chegar, se abraçar e sorrir, mas ninguém via nós dois ali, quietinhos, as mãos dadas e o coração cheio de amor e carinho por todos.

segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

Paradoxos


Teu olhar
me despe toda,
em plena multidão...

... no entanto
me cobre a nudez,
quando estamos a sós,
mais uma vez!

sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

Desencontros


Devido a um problema no joelho, eu caminhava lentamente por uma das movimentadas ruas de Copacabana, quando uma senhorinha muito sorridente, veio ao meu encontro.

Ao chegar bem perto, ela tocou meu rosto e seu sorriso empalideceu.

- Você não é a Idalina, é?
- Não, minha querida, não sou.
- A mesma altura, o formato do rosto, o cabelo cacheado, a maneira de andar...
- Lamento.
- Há tantos anos eu espero rever a minha grande amiga, sabe? Ela marcou de ir a minha casa, e até hoje não apareceu...

Segui meu caminho pensando na decepção que, sem querer, causara a um coração tão esperançoso em rever uma amiga, que talvez nem pertença mais ao nosso mundo, mas também na grande importância que as vezes, mesmo sem o saber, temos na vida de alguém.

domingo, 7 de janeiro de 2018

Mudança

                                                                                                                                                                   
Não pense no que fui, mas no que sou.
Os corações que se amam jamais se perdem na vida,
porque entre eles foi tecida a ponte mais leve
e resistente que existe: a ponte do amor.

Não pense onde estive, mas onde estou.
Quero que pense em mim como alguém
que precisou mudar-se para longe,
mas que jamais deixará de vir em visita
aos que lhe ficaram na retaguarda.

E quando eu vier, por favor,
deixe acesas todas a luzes,
abertas todas as janelas,
a mesa enfeitada com uma bela iguaria,
e o cheiro bom do café
percorrendo a casa inteira.

Mas principalmente cante... 
Se não conseguir, coloque um disco bem alto,
e fale das coisas boas que fizemos juntos...

Se não tiver com quem falar,
escreva e leia em voz alta para mim.
Isso para que minha viagem de volta seja leve,
e meu tempo de novo regresso se faça breve.