quinta-feira, 16 de agosto de 2018

Shakespeare e eu


Encontrei Shakespeare em frente a estante de Literatura Estrangeira.
Se eu trabalhasse em outro segmento escolar, talvez estranhasse o acontecimento, mas na Sala de Leitura é fato comum a qualquer momento esbarrarmos com autores dos mais diversos.

- Bom dia, Sir Willians.
E ele, olhando-me sem surpresa, respondeu gentilmente:
- Bom dia, Mrs.
- Posso ajudá-lo?
- Não quero incomodar.
- Oh, além de ser um prazer, faz parte do meu trabalho.
- Procuro um livro.
- Sobre o que?
- Sobre o século atual.
- O século XXI.
- XXI?!
- Justamente.
- Não é possível!

E olhando detidamente para si mesmo, para mim e em torno, ao deparar-se com um computador, não se conteve:

- O que é aquilo?!
- Ah, é um computador. Venha, vou mostrar-lhe como funciona.
Impressionava o ar de incredulidade no rosto do escritor, que examinava atentamente a máquina, entre a surpresa e a curiosidade, sendo finalmente vencido por esta.

Numa viagem virtual fomos até a Inglaterra e Sir Willians absolutamente aturdido, sentou-se e fez a pergunta que eu já esperava:

- Estaria eu sonhando?
- Não, Sir, tudo isso é real.
- Mas não consigo compreender tal realidade! Vejo pessoas como eu, mas vestidas de forma absolutamente fora dos costumes da minha época, a minha Inglaterra com máquinas estranhíssimas, carruagens sem cavalos, construções que até mesmo em minhas histórias, eu jamais poderia imaginar...
- São marcas e conquistas da evolução.
- E aqui onde estamos seria alguma parte ainda não explorada da Inglaterra, eu suponho.
- Não. Aqui é o Brasil, na parte sul do Continente Americano.
Sir Willians, olhando-me sem crer em tudo que via e ouvira, pediu-me uma pena e um bloco de anotações.
Ao passar-lhe uma esferográfica, ele ergue os ombros, afasta as mãos e acrescenta:
- Onde está o tinteiro?
- Essas penas, ou canetas, como se chamam na modernidade, não precisam de tinteiro. Possuem uma esfera pequenina na ponta, que libera a tinta ao ser friccionada, demonstrei rabiscando uma folha de rascunhos, aumentando a perplexidade do escritor.
- Estaria eu em algum castelo de Merlin? Aquele mago é capaz de tudo!
- Merlin talvez seja responsável por sua viagem no tempo. O senhor está na Biblioteca de uma Escola Pública, alguns séculos após o seu. Veja! Temos todas as suas obras, ou quase todas...
- Meus livros no futuro?!
- Sim.

E os olhos do velho escritor marejaram-se ao ver exemplares em inglês e português como: O Rei Lear, Macbeth, Sonho de uma Noite de Verão, Otelo, Romeu e Julieta, O Mercador de Veneza, Hamlet, A Megera Domada, suas criações seculares compondo uma das estantes sem pompas ou arabescos, mas colorida e em linhas retas, de uma escola pública do século XXI.

E eu, por saber que ninguém acreditaria num fato tão pitoresco, decidi escrever, porque a Literatura encerra a doce magia de emprestar um ar de realidade ao que nos parece impossível de acontecer.