sábado, 27 de setembro de 2014

Mania de poeta



Meu coração gosta tanto
De ouvir os segredos
Que o teu, tem pra me contar.

Pra transformar os cochichos
Em velhos rabiscos
Que em versos vão terminar...

Meu coração tem mania de  poeta,
Cuja musa predileta é você,
Não tem mais jeito...

Meu coração, esse estranho vagabundo,
Que se cansou de correr mundo
E se mudou para o teu peito.

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Tamar



Zé de Tamar era doido por uma prosa!
Era capaz de ficar horas proseando, proseando sem se cansar e quando chegava sua vez de falar, repetia conversa não!

Quando se enrabichou por Mercês, até pensou que não haveria mais precisão em sair puxando conversa com tanta gente, porque Mercês era boa de prosa como ela só...

Pronto! Tudo se arranjara.

Acontece que Mercês se bandeou lá pra Igreja do padre Justo e foi acumulando tanta reza e tanta reza e mais novena pra cá, ladainha pra lá, e dana a inventar doce de laranja da terra, bolo de banana verde, e mais curau, pamonha e sabe-se mais o quê, tudo pra ajudar na quermesse do padre Justo, que era um abnegado servidor, era isso e aquilo, e o coitado do Zé acabou ficando esquecido num canto feito um móvel fora de uso. E ainda sem o direito de fazer o que mais gostava nessa vida: prosear...

No início se ressentiu, mas com o passar do tempo o pé cria calo, como ele dizia, e Zé começou a sair.
Todo dia, na mesma horinha de sempre, lá ia ele... todo arrumadinho, o chapéu de palha meio caidinho pro lado, cavalo encilhado e vamos embora Zé, que a vida espera por ninguém não.

Até que Mercês botou tento no fato e começou a espionar o marido.

Uma noite, ele ainda com esperança de reatar a velha prosa com Mercês e tendo em troca a famosa “dor de cabeça”, o terço, a vela acesa e mais isso, mais aquilo foi deitar-se e sozinho na cama larga, suspirou:
- É, Tamar, só você mesmo tem prazer de me escutar...
“Tamar? Ah, então é esse o nome da sujeita. Tem nada não. Amanhã eu te pego no pulo, Zé. Deixa estar...” Resmungou Mercês entre dentes.

Dia seguinte, inventando desculpas com os preparativos para a festa da Paróquia, Mercês deu um jeito de se esconder e muito sem jeito, tomando um atalho por dentro do roçado, começou a seguir o marido, que sem nada suspeitar, seguia devagar pela estrada, a conversar com o cavalo pra se distrair.

Mercês, depois de se lanhar no caminho áspero entre galhos secos, arbustos cheios de espinhos, cercas com arame farpado e lodaçais, viu o Zé de longe.
“Ela deve estar escondida atrás do tronco. Aquela árvore é tão grossa que esconde bem qualquer pessoa.”

Mas faltou coragem de se aproximar dos dois, já que havia perdido um sapato na lama densa ao tentar fugir de algum perigo imaginário e com alguns arranhões, sem um dos sapatos, as pernas sujas de lama, como ela iria aparecer para a rival? Certamente a outra devia estar toda arrumada, até de batom! e Zé apreciava isso...

- Ai, Zé! Tu hás de me pagar!

E Zé, sem suspeitar de coisa alguma, montou o cavalo e tomou o caminho de volta.
Chegou primeiro que Mercês, é claro, e a infeliz da mulher ficou a pensar qual seria a melhor desculpa para justificar o seu estado, e para desespero seu, ele nem notou coisa alguma.

Dia seguinte, ela teve outra ideia:
Iria de carroça! Mas dessa forma não poderia pegar o mesmo atalho do dia anterior, e sendo assim, não poderia dar um flagra nos dois.

Foi quando apareceu o Jeremias, ou o Jerê do queijo, um primo seu que passava por aqueles sítios toda semana, oferecendo o seu produto e aproveitava para tomar um café ou um refresco e dar uns dois dedos de prosa com o Zé e ela então, teve a infeliz ideia de pedir-lhe uma carona na caminhonete até um determinado ponto da estrada, mas o marido não poderia saber.
Pronto! Olha a confusão armada...

O primo entendeu tudo errado e sem segurar o ímpeto, agarrou a mulher pela cintura e tentou ganhar um beijo, mas levou de volta uns bons tapas.

- Mulheres... o praga!

- Homens... o raça!

Mais um dia perdido...

Na Igreja já não se falava de outra coisa e rapidamente, porque quando alguém está no papel de vítima, quer falar o máximo do seu problema para angariar a piedade alheia e o atestado de coitadinho. 

E o Zé, até então da Mercês, num instante virou o Zé da Tamar.
Bom, acontece que nem sempre as coisas são o que parecem e depois de tanta confusão, disse-me-disse e até promessa, Mercês descobriu que Tamar era uma linda e frondosa tamarineira que Zé chamava carinhosamente de Tamar, num agradecimento ao fato dela não obrigá-lo a calar-se já que não tinha com quem conversar...

Hoje, coloca-se a culpa na internet ou no celular, mas na verdade, essa tecnologia socorre a quem gosta de conversar e não há nada melhor que uma boa prosa. Não um monólogo, como acabou sendo obrigado a fazer o nosso personagem, mas um falar e ouvir com atenção numa sequência educada no mesmo nível de igualdade.


Como as pessoas complicam coisas tão fáceis!

sábado, 20 de setembro de 2014

Camisola Negra


Tem dias que a noite se veste
com uma camisola negra,
bordada de estrelas,
tão linda de se ver!
E acende o lampião do luar
para olhar-se no espelho
das águas do mar.
E assim, contemplativa,
qual diva sedutora que é,
envia mil olhares aos pares por aí,
perdidos na noite a namorar...
num clima de sabor, sem igual,
A música da vida se faz

Numa paz original.

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Sintese




Que encanto é esse,
Feito canto de mar,
Feito sol, jangadeiro,
Brilho no olhar...

Que silêncio é esse,
Feito noite no campo,
Lua-cheia, amplidão,
Pirilampo...

Que mistério é esse,
Feito verde de mata,
Passarinho, cigarra,
Riacho, cascata...

Que calor é esse,
Feito teto que abriga,
Feito pão, feito lar,
Feto e barriga...

Que ternura é essa,
Feito amantes no leito,
Feito filho mamando
No peito...

E que Mestre é esse,
De ditosa alegria,
A ensinar, sem escolas,
A sabedoria...

E que luz é essa
A surgir de mansinho,
Feito o Cristo em sermão
A mostrar o caminho...

Que magia é essa,
Que o pequeno agiganta,
Que inspira o poeta,
E o artista encanta?

E que força é essa,
Que supera a dor
É o Amor, é o Amor,
Ah! O Amor...