quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Viajando


Da janela do trem que seguia lentamente eu via
as nuvens condensadas pela baixa temperatura
das frias e inesquecíveis manhãs mineiras, pousadas
- como se dormissem – sobre o leito do Rio Verde.
À medida que o sol se abria, elas começavam a se levantar:
devagar a princípio e rápidas depois, como se, na verdade,
estivessem mortas de saudade das alturas.
Aí o rio tornava-se claro com todo o seu esplendor!

O trem corria e o rio também, lado a lado,
como uma competição. Entre eles,
os moitões de capim-navalha que balançavam ao vento,
quais verdes e viçosos cabelos da terra-mãe,
terra moça e faceira, com suave fragância de
capim-limão, rosa, jasmim, sândalo, alecrim, alfazema.

De repente, a velha máquina parava e
soltava um longo apito pelo ar...
uma espécie de até logo ao rio, como se dissesse:
- Vou aliiiiiii... Volto já já já já já...
E subia a serra alta e soberana – a Mantiqueira –
que permanecia sempre lá, desafiando
a potência da velha máquina.

Quando lá em cima, qual alpinista em
escalada de suma importância, a máquina parecia
que respirava fundo a refazer-se do esforço,
e começava a descida triunfal...
O desafio fora vencido afinal, e lá embaixo o vale lhe
acenava familiar, a partir do teto das casas,
(que vistas de cima pareciam de brinquedo)
polvilhadas em meio ao verde, ladeando o rio,
que não subia a montanha, mas a contornava sabiamente.

E quando enfim o trem atingia o vale,
as pessoas, as crianças, principalmente,
corriam de vários pontos para acenar aos que passavam.
Suas mãos espalmadas no ar, nun aceno,
era o toque ameno da ternura sempre hospitaleira
daquele povo do Vale da Mantiqueira.

terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Relicários



Agosto, meados de 60.
Meu avô volta da lida – era como ele chamava o trabalho na roça.
Com seu jeito quieto, homem de muita ação e poucas palavras, entrega o cavalo ao Adilson, empregado seu de muitos anos, “cria da casa”, no dizer local, que ali vivera desde a infância, e o compreendia ao mínimo gesto ou olhar.
Entra, banha-se, janta, conversa um pouco com minha avó, senta-se em sua cadeira preferida: a de balanço, em frente à janela da sala; mais algumas palavras, queixa-se de um certo mal estar e pede à minha avó que chame o Francisco (pós nome de Adilson) para ajudá-lo a ir deitar-se.
Era um homem alto e forte e seria difícil para minha avó, pequenina que era transportá-lo em caso de “precisão” – sua definição de necessidade.
Deitou-se, passeou o olhar por todos os ângulos do quarto, pronunciou o nome de todos os filhos e netos numa espécie de melodia a preencher-lhe a existência e morreu.
Minha avó, atônita, grita pela filha caçula e manda Adilson correr a chamar os meninos que tinham por costume àquelas horas, irem para a venda de Manoel Miranda prosear um pouco, jogar sinuca, beber umas e outras, mexer com as mulheres ou visitar as namoradas que moravam por perto.
Adilson nem encilha o cavalo. Joga apenas o freio na cabeça do animal e em pelo, voa estrada à fora, rápido como um corisco, perdido em lembranças, afogado em lágrimas que corriam desenfreadas como o galope de Castaninho, o cavalo preferido de vovô.
Após alguns metros, chega ao destino, pula do cavalo e de pé, sem conseguir articular uma palavra, aperta aflitivamente o chapéu entre as mãos. 
Estanca-se o riso e a pilhéria. Alguém desliga o rádio de pilhas dando lugar à música imperiosa do silêncio.
Impressionante o silêncio que a morte nos impõe...
 - Foi mamãe?! Pergunta um dos filhos.
Adilson sacode a cabeça com um não muito lento.
- Zila? Pergunta outro.
Novo aceno negativo.
- Papai...
E desta vez o sim sem palavras, como se não desejasse interromper a melodia dolorosa do silêncio.
Alguém toma um dos carros e corre até a cidade para informar aos outros irmãos que lá residiam, o triste acontecimento.
E nós, que nessa época morávamos muito distante dali, no sul de Minas Gerais, só recebemos o telegrama um dia depois, justo num momento de festa quando meu pai dedilhava ao violão uma música de época, acompanhado pelos convidados.
E o silêncio nos buscou também.
O tempo, esse corcel indômito e inquieto, continuou sua corrida, e no seu galope carregou muita gente com ele. Os anos passaram, chegaram-me os filhos, os primeiros cabelos brancos, mas lembro-me de tudo isso narrado de modo contido, baixinho, como se não quisesse incomodar o sono dos mortos, por minha avó, em seus melancólicos serões de saudade.

Lembro-me tão bem, como se o tempo não tivesse passado para mim, como se fosse ontem... 

domingo, 21 de dezembro de 2014

Confidências




Ontem à noite, surpresa boa!
Não é que a Lua, em pessoa,
debruçou-se na minha janela
e ficou a conversar comigo,
como se eu fosse importante, amor?!
Entre tantas coisas que foram ditas,
ela, num suspiro deixou escapar
que sente saudade das serenatas
quando via os cantores, simplesmente,
derramarem o coração ao luar...
Que linda, não?
Sente também muita falta das pessoas conversando,
dos casais namorando, das brincadeiras infantis,
dos poetas e trovadores, que a guisa
dos pintores contemporâneos de Monet,
saiam a céu aberto para registrarem
sua arte, seu amor, seu dizer...
E eu que pensava que saudade e nostalgia
era coisa só da gente, fiquei tão comovida,
que abracei a Lua e ela, num sorriso encantador,
sem pressa nenhuma não, me acenando carinhosa,
voltou  para a imensidão.
Mas deixou suas palavras, seus sentimentos,
Espalhados pelo chão de minha alma.
Então decidi organizar aquilo tudo e escrever,
mas não sou poeta... e até agora não entendi,
Sinceramente, porque ela, a madrinha de Poesia,
Escolheu justo a mim para confidente!



domingo, 7 de dezembro de 2014

Sonho bonito


Ontem eu sonhei com você, pai!
E chorei ao ouvir a sua voz,
tremi de emoção ao abraçá-lo,
e deixei a saudade falar...
Falar do seu jeito, assim,
bem baixinho, de-va-gar...
como se a voz saísse do peito
só pra não me acordar.
Sei que você já não mora mais aqui,
mudou tem um tempo, pra perto de Deus.
Por isso fico feliz quando você vem aqui nos visitar
num sonho bonito, de amor junto aos seus!

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Enigma




Amigo, nasci no terreiro,
em meio à roda da rapaziada que embevecida,
ouvia a batida de um coração a compassar...

Liberto, vadio no mundo e sem preconceito,
agito no peito, no canto e na arte ou na poesia
daquele que vive em solidão...

E para que eu me apresente não é necessário
apito, pandeiro, cuíca, chocalho ou a melodia
de um violão pra acompanhar.

Basta uma lata vazia, uma mesa de bar,
a cabrocha animada e a rapaziada hilariante,
esquecida do mal, a batucar...

Então eu assumo o comando, 
não peço, nem mando, abraço a todos,
num jeito malandro e me apresento...

- Quem sou eu? Sou o samba, afinal!