quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

Despossuído

 

Um dia, eis que me encontro sozinha, despida, 

num copioso pranto, sem qualquer identidade.

com muito medo, diante de um mundo ameaçador.    

Nada, absolutamente nada, eu trouxera comigo.


No entanto, esperavam por mim corações amorosos, 

braços protetores, olhares atentos, mãos hábeis

que logo providenciaram-me: uma casa, um berço, 

alimentos, vestuário, higiene, um nome próprio,  educação; 

carinho, advertências,  amor a Deus e ao próximo, 

respeito à Pátria, conhecimento, saberes, religião.

E eu, que nada possuía, tesouro incalculável herdei!


Tempo, pacientemente, me mostrava a necessidade de doar 

e eu experimentei então a alegria do repartir...

Desta forma, quando aos meus braços vieram outros despossuídos

- os filhos amados -, eu também lhes dei (quase) tudo 

daquilo que houvera recebido um dia.

 

Tempo também me falou de esperanças 

e apresentou-me a um Cavalheiro especial 

que me cobriu de presentes e com muita lisura 

levou-me em viagens onde eu aprenderia a grandeza

das diversidades culturais,  das Artes, das Ciências, da Arquitetura.

Apresentou-me ainda aos grandes Mestres de ontem e hoje

numa simplicidade comovente, num diálogo encantador!

Esperanto! eis o nome do Cavalheiro tão amado por mim,

e que eu, a meu turno, nada  tive a oferecer!

 

De quando em quando Tempo reaparece

e me faz recordar que mais dia, menos dia, 

retornarei ao meu país de origem,

para onde, além da gratidão e de uma grande saudade,

não tenho o direito de levar mais nada!

sexta-feira, 12 de junho de 2020

Avanços e retrocessos



Chegamos ao século XXI com avanços tecnológicos e científicos inimagináveis por nós, há 50 anos.

Os transportes, os meios de comunicação, o vestuário, os relacionamentos, a educação, a linguagem literária, tudo isso passou por mudanças que não nos apercebemos...

Hoje, impactados pela força meteórica de um microscópico vírus, a humanidade foi obrigada a puxar o freio de mão para desacelerar-se.

E os donos (temporários) do poder, que antes ignoraram as advertências da Ciência, agora a chamam de volta porque com ela se encontra a chave do conhecimento, que o poder não tem.

E os cientistas, sempre devotados ao bem da humanidade, apressam-se em socorrê-la, desenvolvendo vacinas, soros, medicações as mais variadas, para dirimir a dor, erradicar os males que nos assolam e amedrontam...

...Só nunca encontraram a fórmula capaz de diminuir a dor que a saudade nos causa.

E hoje, ainda que vivendo no século das grandes invenções,  perdemos o simples direito de caminhar pelas ruas do bairro, sentirmos o cheiro bom do pãozinho fresco no ar, vermos a correria das crianças aos bancos escolares, ouvirmos os sinos nos convocando à oração, visitarmos nossos amados, nossos amigos, ajudarmos uns aos outros, sentarmo-nos simplesmente num banco de praça e ouvirmos os poemas de amor que as aves nos segredam...

As pequenas coisas só nos mostram seu grande valor quando as perdemos.

domingo, 19 de abril de 2020

Colóquio


Oi, poeta!

Você nem imagina o quanto eu gostaria de dar-lhe um longo e caloroso abraço e um beijo sem pressa de acabar...
Não precisa erguer a sobrancelha com aquele ar de ponto de interrogação também.
Vou explicar:
Nesse tempo interminável de quarentena, eu, que sempre me dei bem comigo mesma, desejei uma companhia para as minhas caminhadas matinais. E não é que ao virar a esquina, vindo em minha direção em passos firmes e seguros, vejo um dos seus poemas, meu caro?
Pois ele aproximou-se no maior sorriso, me abraçou uma, duas, três vezes, e, num gesto espontâneo e natural, me ofereceu o braço, que eu é claro, imediatamente aceitei!
Ah, como conversamos! Sabe aqueles velhos amigos que ao se encontrarem parece que o assunto nunca se esgota? E falamos de tudo, ou quase tudo, porque os temas desagradáveis ou pesados são muito desgastantes e cá entre nós, a gente já está meio cansado de ouvir isso todo dia, concorda comigo?
De repente nos demos conta que era hora de voltar, mas ele fez questão de me acompanhar até o prédio onde moro e confesso, senti uma ponta de tristeza ao saber que precisaríamos nos afastar, mas ele muito atento, percebeu o fato e num novo abraço comprometeu-se a voltar amanhã, no mesmo horário.
Já estou contando as horas, poeta.
Faltam-me palavras para agradecer a você essa oportunidade ímpar, eu juro!
Enquanto te escrevo, poeta, eu penso com tristeza em tantos poemas que permanecem em quarentenas forçadas por tanta gente que faz um pouco caso tão grande de poesia...
Sabia que um colega meu teve a parcimônia de me dizer que ele fez questão de comprar muitos livros de poesia, os deixa bem limpos e impecáveis na estante  da sala para exibi-los com orgulho às visitas, mas nunca abriu um deles, acredita?!
Olha, se essa gente soubesse quantos bons companheiros e muitas vezes, grandes conselheiros até nos são enviados por vocês, que têm a magia de dar corpo às ideias num estilo único e tão especial, talvez houvesse menos enfermidades, menos solidão, menos falta de assunto, menos desencanto, não é mesmo?
Uma pena que não possa me estender aqui nessa carta, que talvez até se transforme num poema, ou trova, uma crônica ou até um conto, por suas mãos mágicas. Quer saber por quê?
Vou pintar o cabelo, fazer as unhas e separar uma roupa bem maneira para me encontrar com seu galante poema amanhã. Quem sabe iremos a um café para mais um dedo de prosa... To tão animada...
Amanhã eu te conto.
Tchau.
Ah, obrigada pela atenção.

sábado, 28 de março de 2020

Reminiscências



Quando eu era ela
morava num bosque em flor
e ouvia a natureza - seresteira apaixonada-
a cantar lindos versos de amor.

Quando eu era ela
cavalgava ao luar,
noite alta, madrugada,
em teus braços - vida minha -
eu ia me agasalhar...

Ai, ai, ai...
É cruel viver assim,
em meio a tantas lembranças,
- coração sem esperança -
com saudades de mim!





sexta-feira, 27 de março de 2020

Esquecimentos



Esqueci a chave,
esqueci seu nome,
esqueci a fome,
esqueci a dor.

Esqueci o sonho,
meu novo endereço,
o meu telefone,
e aquele favor...

Esqueci em casa
a lista de compras,
de pagar as contas,
e a carta postar.

O filme recente,
o autor preferido,
e por falar nisso
onde eu acabei
de estacionar?!

É isso, e aquilo,
tanta coisa pra fazer,,,
É isso, é aquilo,
esqueci o que eu
mais tinha pra dizer...
... só não esqueci você!