quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

O relógio do galo



                                                   


O galo vinha muito triste e preocupado pelo caminho porque perdera algo de muito valor: o seu relógio.
E agora, o que fazer? O relógio o avisava a hora certinha de cantar para chamar as pessoas ao trabalho e à escola...
E o galo já quase chorava quando...

Muito devagarzinho, sem qualquer tipo de tormento na vida, vem chegando a tartaruga que o saúda alegremente.

- Olá, amigo galo! Tudo bem?
- Olá, amiga tartaruga. Ah, tudo mais ou menos.
- Posso ajudar?
 - Eu perdi meu relógio. É uma joia de família, passa de pai pra filho, sabe? E sem ele como vou acordar as pessoas? Esse é o meu trabalho.
- Você tem razão, amigo, mas logo, logo vai encontrá-lo, acredite.
- Como você sabe?
- Porque os sábios ensinam que “tudo que é nosso, um dia volta para nós.” Quer que eu o ajude a procurar?
- Oh, sim! Obrigado. Vamos procurar juntos, então. Eu sigo pela direita e você, pela esquerda e depois nos encontramos aqui mesmo, certo?
- Certo. Ah, e como é o seu relógio?
- Boa pergunta. Ele se parece com o sol.
- Está bem. Tchau.
- Tchau.

E eles saem olhando muito atentamente para todos os lugares, procurando o relógio tão importante.

Nisso, surge um macaquinho trazendo algo pendurado no braço.
- Oba! Achei um relógio! Se eu vendê-lo, vou ganhar um dinheiro e poder me mudar para outra floresta. Nesta daqui é sempre tudo muito igual, as mesmas árvores, os mesmos animais... Eu quero é viajar, conhecer outras florestas, outros bichos, quem sabe até conhecer uma macaquinha esperta e ficar com ela...

Assim dizendo, sobe num toco e começa a sua propaganda:

- Atenção! Atenção! Eu herdei esse lindo relógio do meu avô, mas eu preciso vendê-lo porque a vida anda difícil, tudo muito caro, e eu preciso de um dinheirinho para realizar alguns projetos... Vinte e cinco! Vinte e cinco! Quem deseja? Quem vai levar?

- Vinte cinco, senhor macaco? Auuuu... - perguntou um lobo que passava por ali.
- Cento e vinte e cinco, senhor lobo.
- Eu pensei ter ouvido vinte e cinco.
- Com certeza o seu uivo atrapalhou um pouquinho.
- Ah, que pena! Não tenho todo esse dinheiro. Fica para uma outra vez. Auuuu...

- Cento e vinte e cinco! Cento e vinte e cinco apenas por este relógio. Quem vai levar?
- Cento e vinte e cinco? - perguntou o tucano interrompendo o voo.
- Não, senhor tucano, eu disse mil cento e vinte e cinco! O barulho de suas asas não deixou o senhor ouvir direito.
- Ah, é muito caro para mim.
- Podemos dividir em cinco vezes. Não é bom?
- Sinto muito, mas não tenho todo esse dinheiro, disse o tucano levantando voo. (Reloginho caro, esse – resmungou ele...)

- Tucaninho pão duro! Mil cento e vinte cinco! Somente mil cento e vinte e cinco...

Assim o macaquinho decidiu continuar seu negócio, mas mudou de ideia rapidamente ao ver uma onça com cara de poucos amigos  a mostrar-lhe os dentes enormes, sem a menor paciência para negociatas...  o que o obrigou a subir ligeiro na árvore mais próxima, seguido pela onça que também sabe escalar as altas árvores.

E agora?
O jeito era saltar de árvore em árvore o mais depressa possível e tratar de salvar a sua vida.
Só que, naquela corrida toda, o relógio escorregou do seu braço e caiu bem na frente da tartaruga que passava por ali naquele exato momento.

- Ora, ora, ora... mas não é o relógio do meu amigo galo? Galoooo, gaaaalo! Vem ver o que eu achei!

Vem o galo correndo e arfando.

- Obrigado! Muito obrigado, amiga tartaruga. Onde ele estava?
- Acho que com o próprio sol... hi hi hi... Não falei que tudo que é nosso volta para nós?

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Standlik

                                                                             





Gostava de ficar sentado na última prateleira da estante onde enfileiravam-se os Clássicos da Literatura Mundial.                                                            
Às vezes mostrava-se como um menino quieto e bastante alheio a tudo, outras vezes vestia-se de pirata ou de um herói ao seu bel-prazer e fazendo piruetas das mais diversas, parava subitamente, apoiando um pé no calcanhar e o outro em ponta, balançava a cabeça cheia de guizos e dizia num gritinho: standlik!
Eu já me acostumara com sua presença e, quando abria a porta e não o via, assoviava ou dava pancadinhas na mesa: pam-pam-pam-ran-pam...pam! pam!
Ele então levantava a cabeça numa careta: hora do descanso! Como eu permanecesse parada, com os braços cruzados sem esboçar reação alguma, saltava diante de mim e fazia uma reverência galante.
- Hora do senhor ir passear...
- Nas terras do sem-fim?
- Bem além delas. Preciso trabalhar.
- Eu fico quieto, prometo!
- Suas promessas são falsas. Ade-eus...
- Puxa vida! Você é a única pessoa que conversa comigo, que me vê e tem coragem de mandar embora?!
- Humm... chantagem emocional a essa hora, menino?
- Posso?
- Subindo...
E voltava com um sorriso para o seu posto.

Quando a sala se enchia das vozes e dos olhares curiosos das crianças no contato com os livros, ele fazia caretas e tampava os ouvidos, sempre tentando me chamar a atenção.
Era o meu duendezinho sábio, como gostava de chamá-lo, e ele se empertigava todo fazendo surgir do ar uma florzinha que beijava e me oferecia num galanteio, um mimo só, o meu pequeno amigo...
- Por que você não se torna escritora?
- Quem perderia tempo em editar as minhas bobagens? Sou uma tola romântica, nada mais.
- Ah! Aprendeu a fazer chantagem emocional também, é? Muitas vezes funciona, viu?
- Tchau! Hora de ir para casa.
Naquela tarde levei um susto! Ao abrir minha bolsa percebi que o meu duendezinho estava lá, muito quieto, triste de dar dó! Parecia  doente. Eu me apressei para chegar em casa e verificar, entender o porquê daquilo tudo.
Já em casa, coloquei-o sobre os meus joelhos e sentindo-lhe a temperatura, perguntei:
- O que você tem, meu amiguinho querido?
- Estou sumindo, não vê?
- Mas por quê?
- Ninguém liga mais pra mim...
- E eu? Não conto?
- Você é uma só.
- Que pode se multiplicar em várias...
- Sério?! Disse ele numa expressão de dúvida.
- Quer morar aqui em casa? Assim, além de me fazer companhia, eu cuido de você enquanto penso em como ajudá-lo. Depois você continua no seu ir e vir de encantador de corações.
O pequeno ente energizado pelas minhas palavras, pulou, correu, dançou e, de repente, numa volitação graciosa, ergueu-se no ar e deu-me um beijo na ponta do nariz o que provocou muito riso e muito espirro também.
O fim de semana foi muito produtivo porque as idéias não paravam e eu anotava as melhores, claro, para depois selecioná-las e colocá-las em prática.
Na semana seguinte, espalhei alguns cartazes pequenos pelos corredores, escadas, pátio e refeitório:
                         
                         Você viu o Standlik?

Não demorou muito e alguns alunos foram me procurar na Biblioteca:
- Licença, professora?
- Pode entrar.
- Quem é o Standlik?
- Ah, ele é um ser muito especial que morava num grande livro, mas ficou tão cansado de nunca mais ser visto pelos leitores que decidiu sair do livrão e dar uma volta por aí mas o coitadinho se perdeu!
- E como vamos saber quem é ele, professora?
- Muito simples: é só começar a ler o Grande Livro de Histórias Infanto-Juvenis, que é uma bela coleção, viu? Ali, vocês encontrarão facilmente o nosso amiguinho fujão.
Standlik estava furioso comigo, mas sua alegria em sentir-se novamente como parte da vida da garotada era tanta, que ele deixou a bronca para depois.
Claro que bolamos vários jogos, cheios de pistas falsas para chegarmos ao esconderijo do nosso duende, e quanto mais demorávamos, mais as crianças curtiam a brincadeira, inventavam outras, contavam histórias, relatavam sonhos onde o nosso personagem era resgatado das mais complicadas situações e elas, as crianças, claro, eram os heróis destemidos...
 Eu, absolutamente cúmplice do meu pequeno amigo, sentia-me divertida e confusa às vezes, porque nunca imaginara um dia tornar-me uma espécie de fada para ajudar um duende e tão engraçadinho, galante e moleque quanto Standlik.
Pena que as Deusas ciumentas logo, logo, vão carregar para muito, muito longe, para outras terras, o meu duende de mim...