O tempo, esse artista incansável, já lhes tecera no rosto
as rendas de costume, já lhes embranquecera os cabelos e lhes emprestara uma
certa lentidão no caminhar, mas não conseguira tirar deles o hábito antigo das
mãos dadas onde quer que estivessem: na igreja, no cinema, na varanda de casa, nas
ruas da cidadezinha, como se afirmassem naquele gesto uma terna cumplicidade.
Até mesmo na antiga e tão elegante namoradeira para acompanharem
a novela pelo rádio, as mãos se encontravam num idílio tão bonito...
Era assim o velho casal a quem as crianças, mesmo sem
parentesco algum, lhes pediam a bênção.
Era também um tempo diferente, com serenatas pela noite,
lua mansa no terreiro, muita conversa boa, recitais de poesia, brincadeiras de
roda, banda de música no coreto da praça, fotos do lambe-lambe, carrocinha de
algodão doce...
E nem era preciso ter festa. Bastava ser domingo.
Parece que nunca existiu um tempo assim, nem costumes tão
singelos, mas eu que aqui estou ainda, estive lá, morei naquela cidade, e
guardei no coração tanta lembrança boa que não poderia deixar de falar sobre
isso, porque a mim me parece, que nos dias atuais é muito fora de moda, ou
brega -se preferirem- demonstrar-se ternura e falar-se de coisas simples, como
se tivéssemos a obrigação de nos tornarmos enciclopédias ambulantes.