Zé de Tamar era doido por uma prosa!
Era capaz de ficar horas proseando, proseando sem se
cansar e quando chegava sua vez de falar, repetia conversa não!
Quando se enrabichou por Mercês, até pensou que não haveria
mais precisão em sair puxando conversa com tanta gente, porque Mercês era boa
de prosa como ela só...
Pronto! Tudo se arranjara.
Acontece que Mercês se bandeou lá pra Igreja do padre
Justo e foi acumulando tanta reza e tanta reza e mais novena pra cá, ladainha
pra lá, e dana a inventar doce de laranja da terra, bolo de banana verde, e
mais curau, pamonha e sabe-se mais o quê, tudo pra ajudar na quermesse do padre
Justo, que era um abnegado servidor, era isso e aquilo, e o coitado do Zé
acabou ficando esquecido num canto feito um móvel fora de uso. E ainda sem o
direito de fazer o que mais gostava nessa vida: prosear...
No início se ressentiu, mas com o passar do tempo o pé
cria calo, como ele dizia, e Zé começou a sair.
Todo dia, na mesma horinha de sempre, lá ia ele... todo
arrumadinho, o chapéu de palha meio caidinho pro lado, cavalo encilhado e vamos
embora Zé, que a vida espera por ninguém não.
Até que Mercês botou tento no fato e começou a espionar
o marido.
Uma noite, ele ainda com esperança de reatar a velha
prosa com Mercês e tendo em troca a famosa “dor de cabeça”, o terço, a vela acesa
e mais isso, mais aquilo foi deitar-se e sozinho na cama larga, suspirou:
- É, Tamar, só você mesmo tem prazer de me escutar...
“Tamar? Ah, então é esse o nome da sujeita. Tem nada
não. Amanhã eu te pego no pulo, Zé. Deixa estar...” Resmungou Mercês entre
dentes.
Dia seguinte, inventando desculpas com os preparativos
para a festa da Paróquia, Mercês deu um jeito de se esconder e muito sem jeito,
tomando um atalho por dentro do roçado, começou a seguir o marido, que sem nada
suspeitar, seguia devagar pela estrada, a conversar com o cavalo pra se
distrair.
Mercês, depois de se lanhar no caminho áspero entre
galhos secos, arbustos cheios de espinhos, cercas com arame farpado e lodaçais,
viu o Zé de longe.
“Ela deve estar escondida atrás do tronco. Aquela
árvore é tão grossa que esconde bem qualquer pessoa.”
Mas faltou coragem de se aproximar dos dois, já que
havia perdido um sapato na lama densa ao tentar fugir de algum perigo
imaginário e com alguns arranhões, sem um dos sapatos, as pernas sujas de lama,
como ela iria aparecer para a rival? Certamente a outra devia estar toda
arrumada, até de batom! e Zé apreciava isso...
- Ai, Zé! Tu hás de me pagar!
E Zé, sem suspeitar de coisa alguma, montou o cavalo e
tomou o caminho de volta.
Chegou primeiro que Mercês, é claro, e a infeliz da
mulher ficou a pensar qual seria a melhor desculpa para justificar o seu
estado, e para desespero seu, ele nem notou coisa alguma.
Dia seguinte, ela teve outra ideia:
Iria de carroça! Mas dessa forma não poderia pegar o
mesmo atalho do dia anterior, e sendo assim, não poderia dar um flagra nos
dois.
Foi quando apareceu o Jeremias, ou o Jerê do queijo, um
primo seu que passava por aqueles sítios toda semana, oferecendo o seu produto e
aproveitava para tomar um café ou um refresco e dar uns dois dedos de prosa com
o Zé e ela então, teve a infeliz ideia de pedir-lhe uma carona na caminhonete
até um determinado ponto da estrada, mas o marido não poderia saber.
Pronto! Olha a confusão armada...
O primo entendeu tudo errado e sem segurar o ímpeto,
agarrou a mulher pela cintura e tentou ganhar um beijo, mas levou de volta uns
bons tapas.
- Mulheres... o praga!
- Homens... o raça!
Mais um dia perdido...
Na Igreja já não se falava de outra coisa e
rapidamente, porque quando alguém está no papel de vítima, quer falar o máximo
do seu problema para angariar a piedade alheia e o atestado de coitadinho.
E o Zé,
até então da Mercês, num instante virou o Zé da Tamar.
Bom, acontece que nem sempre as coisas são o que
parecem e depois de tanta confusão, disse-me-disse e até promessa, Mercês
descobriu que Tamar era uma linda e frondosa tamarineira que Zé chamava
carinhosamente de Tamar, num agradecimento ao fato dela não obrigá-lo a
calar-se já que não tinha com quem conversar...
Hoje, coloca-se a culpa na internet ou no celular, mas
na verdade, essa tecnologia socorre a quem gosta de conversar e não há nada
melhor que uma boa prosa. Não um monólogo, como acabou sendo obrigado a fazer o
nosso personagem, mas um falar e ouvir com atenção numa sequência educada no
mesmo nível de igualdade.
Como as pessoas complicam coisas tão fáceis!
Bonega "causo"! La prozo estas suka kaj amuza. Kaj krome, pensiga...
ResponderExcluirGratulon!
Dirce depois de um dia cansativo, nada como ouvir uma boa prosa, fiquei tão curiosa quanto a Mercês .
ResponderExcluirCom espontânea simplicidade você nos presenteia com mais um delicioso causo. Parabéns!
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