Quando, após alguns anos, reencontrei Liana, observei que, além de alguns quilos a mais, ela adquirira uma alegria que não lhe era muito habitual.
Findas as perguntas de
praxe, observei:
- Você está bem mais
bonita, Lia! Qual é o segredo? Pode-se saber?
Num gesto espontâneo,
sacudindo os longos cabelos vermelhos e liberando um sorriso malicioso, baixou
o tom de voz e relatou sem pressa.
- Vou resumir pra você, amiga,
o que rolou na minha vida. Eu me mudei da casa
dos meus pais para um local bem mais perto do meu serviço, por economia de
tempo e grana, claro! Por uma dessas manobras do acaso, fui morar na Rua das
Acácias, lembra?
- Claro! A rua da Pizzaria
do Manolo, onde a gente ia de vez em quando pra conversar e ouvir as histórias que
ele adorava contar e saborear aquela iguaria dos deuses...
- Pois é. Na outra quadra,
depois da pizzaria, tinha uma casa pra alugar numa vila muito graciosa, para
onde me mudei e fiz amizade com quase todo mundo.
Acontece que a vizinha da
casa 8, bem em frente à minha, não podia me ver chegar do trabalho, que logo
inventava um motivo qualquer para ir até mim. Ou era para pedir algo, ou
oferecer um artesanato para eu comprar, mas o objeto de sua visita era para me
confidenciar sobre o lado sempre ruim do marido, que era isso, era aquilo, não
prestava, e outras coisa mais, você sabe...
- Mas por que você não se
separa dele, criatura? Perguntei certa vez, já meio agastada com aquela situação
incômoda.
- Ah, minha querida, ruim
com ele, pior sem ele... mulher sozinha é prato pra difamadores... e ia
repetindo aqueles chavões, cada qual mais chato que o outro.
Um dia, um temporal
inesperado me obrigou a tentar um táxi para retornar a casa e dividida entre a
atenção da condução e a marquise apertada, vi aproximar-se um carro devagar,
mas não dei muita importância ao fato.
O motorista parou, desceu
o vidro, e num sorriso cativante, fez o convite:
- Ô, minha vizinha! Aceita
uma carona?
Eu nem pensei duas vezes!
Entrei no carro e, pela primeira vez, olhei com atenção para aquele homem que
eu conhecia apenas pela negra radiografia da mulher.
Mas ele era um belo
espécime!
Olhos e cabelos negros com
uma mecha rebelde caindo sobre a testa, o que lhe acentuava mais o charme, a pele
tostada de sol, as mãos fortes, um sorriso lindo e um humor de-li-ci-o-so!
Bom, minha amiga, para
encurtar a história, eu fugi com ele e nossa vida tem sido tão boa, que eu nem
sei se mereço tanto!
Sou feliz, graças às confidências
da ex, que hoje, ocupa-se em fazer a minha caveira pra todo mundo.
Mas, falando sério, eu não
encontro tempo pra coisas ruins...
Nos despedimos e, de volta
a casa, eu fiquei pensando na grande ironia do destino...
Embora goste de escrever e
criar contos, esse é um caso real.
Outro dia encontrei o
casal num shopping comprando ingressos para uma peça infantil e vi a mistura
dos dois, nos traços de um belo menino, fruto daquele inusitado amor.
Confidências podem
tornar-se armas que se voltam contra aqueles que sentem prazer em manuseá-las.
Foje la reala vivo estas pli mirinda ol la arto mem!
ResponderExcluirA literatura tem o poder de disparar em nós o gatilho do estranhamento banalizado pelo cotidiano.
ResponderExcluirA realidade e a arte andam de mãos dadas !
ResponderExcluirBeijos, miga.