segunda-feira, 15 de junho de 2015

(In) confidências


Quando, após alguns anos, reencontrei Liana, observei que, além de alguns quilos a mais, ela adquirira uma alegria que não lhe era muito habitual.
Findas as perguntas de praxe, observei:
- Você está bem mais bonita, Lia! Qual é o segredo? Pode-se saber?
Num gesto espontâneo, sacudindo os longos cabelos vermelhos e liberando um sorriso malicioso, baixou o tom de voz e relatou sem pressa.
- Vou resumir pra você, amiga, o que rolou na minha vida. Eu me mudei da casa dos meus pais para um local bem mais perto do meu serviço, por economia de tempo e grana, claro! Por uma dessas manobras do acaso, fui morar na Rua das Acácias, lembra?
- Claro! A rua da Pizzaria do Manolo, onde a gente ia de vez em quando pra conversar e ouvir as histórias que ele adorava contar e saborear aquela iguaria dos deuses...
- Pois é. Na outra quadra, depois da pizzaria, tinha uma casa pra alugar numa vila muito graciosa, para onde me mudei e fiz amizade com quase todo mundo.
Acontece que a vizinha da casa 8, bem em frente à minha, não podia me ver chegar do trabalho, que logo inventava um motivo qualquer para ir até mim. Ou era para pedir algo, ou oferecer um artesanato para eu comprar, mas o objeto de sua visita era para me confidenciar sobre o lado sempre ruim do marido, que era isso, era aquilo, não prestava, e outras coisa mais, você sabe...
- Mas por que você não se separa dele, criatura? Perguntei certa vez, já meio agastada com aquela situação incômoda.
- Ah, minha querida, ruim com ele, pior sem ele... mulher sozinha é prato pra difamadores... e ia repetindo aqueles chavões, cada qual mais chato que o outro.
Um dia, um temporal inesperado me obrigou a tentar um táxi para retornar a casa e dividida entre a atenção da condução e a marquise apertada, vi aproximar-se um carro devagar, mas não dei muita importância ao fato.
O motorista parou, desceu o vidro, e num sorriso cativante, fez o convite:
- Ô, minha vizinha! Aceita uma carona?
Eu nem pensei duas vezes! Entrei no carro e, pela primeira vez, olhei com atenção para aquele homem que eu conhecia apenas pela negra radiografia da mulher.
Mas ele era um belo espécime!
Olhos e cabelos negros com uma mecha rebelde caindo sobre a testa, o que lhe acentuava mais o charme, a pele tostada de sol, as mãos fortes, um sorriso lindo e um humor de-li-ci-o-so!
Bom, minha amiga, para encurtar a história, eu fugi com ele e nossa vida tem sido tão boa, que eu nem sei se mereço tanto!
Sou feliz, graças às confidências da ex, que hoje, ocupa-se em fazer a minha caveira pra todo mundo.
Mas, falando sério, eu não encontro tempo pra coisas ruins...
Nos despedimos e, de volta a casa, eu fiquei pensando na grande ironia do destino...
Embora goste de escrever e criar contos, esse é um caso real.
Outro dia encontrei o casal num shopping comprando ingressos para uma peça infantil e vi a mistura dos dois, nos traços de um belo menino, fruto daquele inusitado amor.
Confidências podem tornar-se armas que se voltam contra aqueles que sentem prazer em manuseá-las.


3 comentários:

  1. Foje la reala vivo estas pli mirinda ol la arto mem!

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  2. A literatura tem o poder de disparar em nós o gatilho do estranhamento banalizado pelo cotidiano.

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  3. A realidade e a arte andam de mãos dadas !
    Beijos, miga.

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