terça-feira, 6 de abril de 2021

A visita

  O silêncio da madrugada foi quebrado por algumas suaves pancadinhas à porta.

Entre o temor e a curiosidade, venceu a segunda e ao abrir a porta fiquei sem saber o que fazer ou o que dizer.

Diante de mim, em pé, estava uma cópia de mim mesma!

Embora habituada à minha figura diante do espelho, senti uma estranheza ao me ver numa outra projeção, uma espécie de 3D, algo deveras surreal para mim, embora fora acostumada a ver e ouvir fatos e relatos em situações diversas e bem diferentes do comum.

Deveria convidá-la (ou convidar-me) a entrar?

Venceu a educação e num gesto cortês e uma voz que não me vinha da garganta eu a fiz (ou me fiz) entrar.

Não sabia o que dizer.

Estranho esse sentimento de ver-nos a nós mesmos e nos sentirmos tão pouco à vontade...

Deveria oferecer um café ou quem sabe fazer uma prece?

A visitante por sua vez, nada dizia, apenas me acompanhava nos mínimos gestos com um olhar indefinível.

Sempre lera bastante sobre o Eu superior o eu comum, mas seria aquele o meu Eu superior exteriorizado?

Descansei suavemente minha mão sobre a sua e simplesmente disse num suspiro: Desculpe-me a falta de jeito, mas você sou eu e não sei como acolher a mim mesma.

Talvez resida nisso os problemas conflitantes entre nós, simples mortais, o fato de não termos aprendido a acolher a nós mesmos, vermos as nossas imperfeições como algo natural nesse processo de aprendizagem, que é viver.

Quantas vezes fomos punidos por errarmos, quando o erro é parte integrante do acerto...

Por que nossos educadores deram a fatos tão simples uma complexidade tal que o medo nos calou a voz que deveria sair da garganta e ganhar todos os espaços?

Nossos olhos marejados e as mãos trêmulas, entrelaçadas com tanta ternura, desculpavam-se ao entendermos finalmente, que não precisávamos mais buscar tantos argumentos ou justificativas porque finalmente compreendemos o valor grandioso do eu em suas dimensões e suas relações com o outro, com Deus, porque o outro sou eu e ambos estamos no mesmo Deus que há em nós.

8 comentários:

  1. La rakonto estas plena de simboloj kaj forto. Kiu kuraĝus akcepti la viziton de alia versio de ŝi mem?

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  2. Pura transcendência! O último parágrafo é para ser lido todo dia!

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  3. Querida Dirce esse seu momento, bem reflexivo, nos convida, fazer esse mergulho, ao nosso Eu... como é dificil e como tememos esse encontro. Obrigada por nos encorajar. Parabenizo esse momento de plenitude em que voĉe se encontra!!

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  4. Melhor expressando..... Parabenizo. esse momento que voĉe vivencia!!
    Que seja longo !
    Aguardamos os frutos !!

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  5. Dirce, que conto mais lindo!!!
    Muito profundo...
    Você é uma criatura maravilhosa e uma amiga excelente.
    Que Deus abençoe sempre

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