terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Standlik

                                                                             





Gostava de ficar sentado na última prateleira da estante onde enfileiravam-se os Clássicos da Literatura Mundial.                                                            
Às vezes mostrava-se como um menino quieto e bastante alheio a tudo, outras vezes vestia-se de pirata ou de um herói ao seu bel-prazer e fazendo piruetas das mais diversas, parava subitamente, apoiando um pé no calcanhar e o outro em ponta, balançava a cabeça cheia de guizos e dizia num gritinho: standlik!
Eu já me acostumara com sua presença e, quando abria a porta e não o via, assoviava ou dava pancadinhas na mesa: pam-pam-pam-ran-pam...pam! pam!
Ele então levantava a cabeça numa careta: hora do descanso! Como eu permanecesse parada, com os braços cruzados sem esboçar reação alguma, saltava diante de mim e fazia uma reverência galante.
- Hora do senhor ir passear...
- Nas terras do sem-fim?
- Bem além delas. Preciso trabalhar.
- Eu fico quieto, prometo!
- Suas promessas são falsas. Ade-eus...
- Puxa vida! Você é a única pessoa que conversa comigo, que me vê e tem coragem de mandar embora?!
- Humm... chantagem emocional a essa hora, menino?
- Posso?
- Subindo...
E voltava com um sorriso para o seu posto.

Quando a sala se enchia das vozes e dos olhares curiosos das crianças no contato com os livros, ele fazia caretas e tampava os ouvidos, sempre tentando me chamar a atenção.
Era o meu duendezinho sábio, como gostava de chamá-lo, e ele se empertigava todo fazendo surgir do ar uma florzinha que beijava e me oferecia num galanteio, um mimo só, o meu pequeno amigo...
- Por que você não se torna escritora?
- Quem perderia tempo em editar as minhas bobagens? Sou uma tola romântica, nada mais.
- Ah! Aprendeu a fazer chantagem emocional também, é? Muitas vezes funciona, viu?
- Tchau! Hora de ir para casa.
Naquela tarde levei um susto! Ao abrir minha bolsa percebi que o meu duendezinho estava lá, muito quieto, triste de dar dó! Parecia  doente. Eu me apressei para chegar em casa e verificar, entender o porquê daquilo tudo.
Já em casa, coloquei-o sobre os meus joelhos e sentindo-lhe a temperatura, perguntei:
- O que você tem, meu amiguinho querido?
- Estou sumindo, não vê?
- Mas por quê?
- Ninguém liga mais pra mim...
- E eu? Não conto?
- Você é uma só.
- Que pode se multiplicar em várias...
- Sério?! Disse ele numa expressão de dúvida.
- Quer morar aqui em casa? Assim, além de me fazer companhia, eu cuido de você enquanto penso em como ajudá-lo. Depois você continua no seu ir e vir de encantador de corações.
O pequeno ente energizado pelas minhas palavras, pulou, correu, dançou e, de repente, numa volitação graciosa, ergueu-se no ar e deu-me um beijo na ponta do nariz o que provocou muito riso e muito espirro também.
O fim de semana foi muito produtivo porque as idéias não paravam e eu anotava as melhores, claro, para depois selecioná-las e colocá-las em prática.
Na semana seguinte, espalhei alguns cartazes pequenos pelos corredores, escadas, pátio e refeitório:
                         
                         Você viu o Standlik?

Não demorou muito e alguns alunos foram me procurar na Biblioteca:
- Licença, professora?
- Pode entrar.
- Quem é o Standlik?
- Ah, ele é um ser muito especial que morava num grande livro, mas ficou tão cansado de nunca mais ser visto pelos leitores que decidiu sair do livrão e dar uma volta por aí mas o coitadinho se perdeu!
- E como vamos saber quem é ele, professora?
- Muito simples: é só começar a ler o Grande Livro de Histórias Infanto-Juvenis, que é uma bela coleção, viu? Ali, vocês encontrarão facilmente o nosso amiguinho fujão.
Standlik estava furioso comigo, mas sua alegria em sentir-se novamente como parte da vida da garotada era tanta, que ele deixou a bronca para depois.
Claro que bolamos vários jogos, cheios de pistas falsas para chegarmos ao esconderijo do nosso duende, e quanto mais demorávamos, mais as crianças curtiam a brincadeira, inventavam outras, contavam histórias, relatavam sonhos onde o nosso personagem era resgatado das mais complicadas situações e elas, as crianças, claro, eram os heróis destemidos...
 Eu, absolutamente cúmplice do meu pequeno amigo, sentia-me divertida e confusa às vezes, porque nunca imaginara um dia tornar-me uma espécie de fada para ajudar um duende e tão engraçadinho, galante e moleque quanto Standlik.
Pena que as Deusas ciumentas logo, logo, vão carregar para muito, muito longe, para outras terras, o meu duende de mim...
                                                     
                                                    
                                                     






























































































































2 comentários:

  1. Charma fabelo, plena je subtilaj sugestoj pri la valoro de legado, de fantazio. Precipe pri la fakto, ke felichon oni konstruas interne de ni mem, ne el ekstere.

    ResponderExcluir
  2. Gracioso e leve, seu conto encanta e, ao mesmo, tempo educa. a alma do leitor.

    ResponderExcluir