domingo, 23 de fevereiro de 2014

Enrico



Na saleta de entrada da casa de tia Viturina tinha um lugar especialmente construído e adaptado para um personagem muito singular e de grande valor sentimental para ela.

Tratava-se de um guarda-chuva, que ela, muito espirituosa, munida de tintas e pincéis, emprestou ao objeto um ar tão divertido, que era impossível não rir, diante daquela figura inusitada.

Emprestou-lhe uma cara engraçada, com um dos olhos simulando uma piscadela e o canto da boca suspenso, acompanhando o movimento da piscada enquanto o outro olho, bem arregalado, com os cílios exagerados e o desnível das sobrancelhas davam ao personagem um ar absolutamente incomum.

Chamou-o de Enrico. 

A gravatinha-borboleta, luas, estrelas e corações pendurados nas ponteiras o deixavam realmente encantador!

E tia Viturina jamais se cansava de repetir de forma divertida, para quem tinha prazer de escutar, as memórias do seu guarda-chuva...

Numa tarde de primavera, a temperatura bastante elevada para a época, trouxe rajadas de vento intensas e uma chuva inesperada o que a fez atravessar a rua, buscando a proteção de alguma marquise e, na travessia, viu-se literalmente atropelada por um guarda-chuva que quase a matou de susto!

Atrás daquela peça, Vitório, um italiano muito branquinho, de olhos expressivos e um sorriso tão cativante, que tia Viturina sentiu vontade de abraçá-lo, mas foi ele quem a abraçou quase toda, pequenina que era, que nem mesmo num salto 9, atingiria o ombro do rapaz.

- Scusami, ragazza!

- Ihhhh... complicou tudo!

- Desculpa-me, senhorita!  E dentro do seu português italianado, ele desmanchou-se em desculpas, preocupado em ter machucado aquela coisinha tão pequena – mio piccolo – seu apelido carinhoso.

Daquele encontro especial ao casamento foi tudo muito rápido como rápida a ideia de transformarem o guarda-chuva num ícone que simbolizaria a grande cumplicidade entre os seus corações enamorados.

No Dia das Crianças, tia Viturina preparava docinhos, balas, pequenos jogos de adivinhação, minilivros e colocava-os em saquinhos coloridos sob o guarda- chuva, que se transformavam no centro de atenções daqueles coraçõezinhos ávidos de sonhos e ternura.

Um dia tia Viturina ouviu a queixa de uma criança:

- Ah! Pena que ele não fala...

E, então, a adorável senhorinha teve uma brilhante ideia! Pediu a Vitorio, dono de uma bela voz, que gravasse algumas histórias, alguns contos bem pitorescos e, ela ocultando o gravador atrás de Enrico, propiciava às crianças momentos mágicos ao ouvirem atentamente, as mais diferentes histórias contadas por um guarda-chuva que começavam sempre assim:

- Olá!  Eu sou o Enrico. E, você, quem é?

Era dada uma pausa, as crianças respondiam e ele continuava... a história de hoje, aconteceu de verdade, num país muito longe daqui... e ia tecendo a narrativa com tanta graça, que até o Silêncio pedia para ouvir também!

E assim, quando Vitorio viajou para as estrelas, tia Viturina continuou a alegrar as crianças e a si mesma, com o seu Enrico, que guardava as suas memórias e a voz encantadora do dono do seu coração.

  


2 comentários:

  1. Delicadeza, graça , encanto e magia...Como você sabe mexer esses mistérios no seu caldeirao , bruxinha querida!

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  2. Kiel chiam, delikata kaj naiva, pure poezia literaturo. Chu ghi aperos en Esperanta vesto?

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