sábado, 19 de abril de 2014

Princesa


 
- Vai beber o quê, senhora?        
- Um guaraná Princesa, por favor.

- Desculpe, mas não temos essa marca na casa.

- Tem razão. Sou eu quem deve desculpas. É que eu falava com aquele outro garçom ali, está vendo?
- Não, senhora.

- Que pena! Na verdade, só ele tem o guaraná que eu quero...                                                                           
Como tem também os meus oito anos, o meu avô, as matinés e os personagens tão queridos que viveram ontem, mas que renascem a qualquer momento, quando a saudade chama longe, igualzinho a Vovó Benta chamando os netos que se demoravam na Lua, lembra?
Tem o Tarzan, o Fantasma, o Zorro, O Gordo e o Magro, O Satânico Dr. No, tem o Oscarito, o Ankito, o Grande Otelo, Mazzaropi e tantos mais...

Depois da matiné, era a vez da cantina, dos quitutes, das quitandas, do guaraná e das aventuras que a gente repetia com o maior entusiasmo do mundo, entre o riso solto ou a lágrima contida.
Uma tarde, quando uma ideia de morte apertou meu coração e o medo que a misteriosa Dama levasse embora de mim todos aqueles que eu mais amava, e todos os momentos de ternura e carinho tão preciosos para mim, vovô, adivinhando-me o sentimento, preparou uma grande surpresa com o apoio do velho garçom, seu antigo camarada.

De um momento para o outro, a convite dos dois, surgiam no salão todos os personagens que vinham, nos cumprimentavam, sentavam-se à mesa, comiam, bebiam e conversavam com a gente como se fossem da família... Um amor! 

Mas o segredo que meu vô guardava para mim, e que deixou por último para me mostrar, foi a chegada de um menino magrinho, muito lindo, muito especial que me trouxe do futuro, um presente incrível: um passaporte! Ah, mas não era um passaporte comum não, era o único que nos conduzia ao País do Esperanto, onde a gente aprende a viver a realidade do sonho mais bonito que alguém, neste mundo, pode ter um dia.

E a velha dama levantou-se, pegou seus pertences, suas lembranças e se foi, deixando no jovem garçom um sorriso de ternura e a certeza de que entre idosos e crianças existe um traço de união com matizes e nuances que pintor algum jamais concebeu.

 

 

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2 comentários:

  1. A nuance nostálgica não diminui o encanto de suas doces narrativas, amiga!

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  2. Dolcha nostalgio pri iu iama mondo, kiam poezio kaj delikateco iradis surstrate... Bele!

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