sábado, 10 de maio de 2014

Artes e artimanhas



(continuação)

Durante os preparativos para o tão ansiado Curso de Esperanto, Brux convidou-me para ir com ela ao Empório e comprar algumas coisas para o lanche dos futuros alunos.

Foi então que tive a oportunidade de conhecer o lado moleque daquela bruxa tão discreta e compenetrada.

Em meio àquele lugar tão prazeroso uma cena desagradável ocorreu:

Uma mulher acompanhada de duas crianças que a chamavam de mãe iniciou uma baixaria no estabelecimento! Falava alto e xingava as crianças que choravam baixinho diante daquela atitude inqualificável e injusta contra seres tão indefesos.

Brux fez um gesto bem discreto, balbuciou alguma coisa que não entendi, numa linguagem cabalística, e em instantes a criatura, antes tão gritante, fazia uma mímica ridícula, ficando completamente sem voz!
Todos os presentes riram-se da cena inesperada e Brux apenas sorriu com o olhar e, aproximando-se de mim, disse baixinho:

- Amanhã ela fala outra vez. É só um susto para ela pensar um pouquinho. Depois, as bruxas é que são ruins...


Eu tive vontade de rir sem parar daquilo tudo, mas, por educação, fiquei quieta.

Ao voltarmos para o Casarão, vimos, através de um muro gradeado, muitas gaiolas penduradas e pássaros tão lindos olhando o céu azul sem poder galga-lo como lhes permitiu o Criador. Pássaros foram feitos para voar e não para ficarem confinados numa gaiola tão feia, pequena e triste...

Brux parou em frente à casa, pegou um galhinho seco de imbira que trazia em sua inseparável bolsinha, desenhou uma gaiola no chão, e abaixando-se apagou a parte corresponde à porta da gaiola.

Uma a uma, as gaiolas foram se abrindo e os pássaros voltaram à imensidão.
- Vamos? Disse ela na maior naturalidade. E tomamos o caminho do Casarão.

Ainda na rua, pude ver mais um fato curioso:

Um homem que conduzia uma carroça maltratava tanto o cavalo que o servia, que Brux indignou-se e fez o braço que chicoteava o pobre animal ficar duro e suspenso no ar sem conseguir movimentar-se para maltratar quem lhe prestava benefícios tão valiosos!

Ficou lá o infeliz, com o braço absolutamente esticado como se estivesse apontando para o céu.
Os soldados de plantão no quartel próximo dali riam... riam muito pela situação inusitada.

E o casal que brigava sem parar sob a marquise de uma loja de materiais de construção? Pois não é que a danadinha da feiticeira fez aparecer um balde com água sobre a marquise? E o resultado vocês imaginam, não é?

Bom, mas ao longe soou um latido muito familiar à nossa Bruxinha justiceira. Era Nashe, a cadelinha encantada da Fada Niath que precisou vir em auxílio de sua protegida.

- Brux! Você não pode interferir na vida das pessoas dessa maneira, minha querida. Disse a pequena Fada com toda ternura desse mundo...

- Não consigo ficar indiferente diante de tanta injustiça, Niath. Você sabe.

- Eu sei e por isso mesmo o Mago Estelar me pediu que viesse em seu lugar porque ele precisou viajar para longe, mas não queria deixá-la sem a nossa proteção e você conhece muito bem as regras, os mandamentos da nossa Comunidade... as Leis são rígidas e têm suas razões de ser. Desfaça o que você fez para que seus méritos não sejam anulados, minha amiga.

Brux abaixou o olhar e ainda que um pouco a contragosto, obedeceu àquele ser que ela tanto amava.

Nashe ficou tão radiante que ao invés de andar como um quadrúpede que era, passou a andar naturalmente apoiada apenas nas patinhas traseiras! Todos achamos a maior graça, devido ao seu movimento contínuo, parecendo dançar uma música que apenas ela ouvia.

Voltamos juntos ao Casarão e Brux, apresentando Niath a todos, seguiu sozinha para o seu quarto. Precisava ficar só um pouco. Deixar-se levar pelas emoções resultava nisso: um cansaço! Ela precisava retomar seu velho autodomínio.

Dia seguinte, todos reunidos para o saboroso café da manhã e Brux, após cumprimentar a todos com seu olhar especial, disse no seu jeito de sempre:

- Podemos marcar a inauguração do Curso para o início da semana que vem?

- Por quê, Brux? Perguntou Flor, já sentindo a razão no ar.

- Não responda uma pergunta com outra. Podemos ou não?

- Se assim forr da vontade de Madame, non vejo razón porr adiarr mais, acrescentou Colibri com sua elegância característica.

- Então, combinado. Vou expedir os convites e, logo após a inauguração, retorno ao meu mundo.

- Eu sabia! Você nunca fica tanto tempo com a gente... parece que nem gosta da nossa companhia – choramingou Flor.

- Você sabe que não se trata disso - disse ela, abraçando a pequena Flor que se surpreendeu com o gesto da feiticeira, sempre tão reservada em suas atitudes...

- Na verdade não podemos permanecer muito tempo no mesmo lugar, porque temos muitas tarefas a cumprir em locais diferentes, Florzinha, acrescentou a Fada Niath num sorriso luminoso.
Atraídos por toda aquela vibração tão harmoniosa e bela, os animais rodearam a todos os presentes como se executassem uma dança misteriosa e tão encantadora, que até os pássaros da vizinhança pousaram sobre as janelas do casarão, à guisa de espectadores curiosos.

Nashe, mais uma vez, sobre as patinhas traseiras, rodopiava graciosa e interativa com todos os presentes, como a querer transmitir a cada um em especial, todo o seu carinho.

Engraçado, eu cresci ouvindo contar histórias tão escabrosas sobre bruxas; no entanto aquela era diferente. Seria alguma irmã da Bruxinha Boa de Maria Clara Machado? Quem sabe? Se o impossível torna-se possível no dizer dos Santos, por que não para os esperançosos também?

Nos dias subsequentes, o trabalho foi intenso no Casarão, que virou uma espécie de correio central de onde eram expedidos os convites para a inauguração do Curso de Esperanto, a calhar, no dia das Bruxas...
E, no dia aprazado, o Casarão ficou uma beleza! Vieram dos pontos mais diferentes do mundo da Literatura: Castor, Dália, a Flor do espelho; Luma, Maria da Luz, PatroMestre Esperanto, Florzinha e  Verbum do Conto No reino das mil e uma palavras sem fim de Nazaré Laroca; vieram a Pedra da Fonte e seu Pescador, Vlap, o morceguinho curioso, Gaia e seu Pelicano fotógrafo, Amarantes e seus porquinhos adestrados, Nico e Neco...

Todos perfeitamente acomodados e Brux, tomando a palavra, anunciou:

- Hoje é um dia histórico para a Comunidade dos Seres Encantados. Nosso objetivo é oferecer a todos, as noções da Língua Internacional neutra, Esperanto, criada pelo Doutor Lázaro Luiz Zamenhof, um ser encantador, para que todos pudessem comunicar-se sem restrições.
E eu convidei uma pessoa muito especial para cuidar do nosso projeto que espero ser permanente em nosso espaço: a Dra. Zan!

E todos ao seu modo, saudaram a Dra. Zan, sempre munida com sua varinha especial que soltava uma tinta vermelha - a caneta - que Brux abominava, mas cada um usa o poder que adquire e até mesmo as Fadas e Bruxas precisam aceitar essas outras magias que elas não dominam ainda...

A Dra. Zan tomou o seu lugar, agradeceu o convite e a presença de todos e, muito séria, começou a falar do Esperanto e do seu mecanismo. Mas, como aquele era um ambiente mágico, ela, a princípio, espantou-se um pouco ao perceber que a lousa tomava um aspecto diferente a cada vez que ela apontava para a mesma ou tentava escrever... é que não era necessário tocar no quadro! As letras desenhavam-se apenas com o pensamento da mestra. Passada a surpresa, ela achou até bom aquele recurso porque facilitava bastante a evolução da aula, tornando-a tão prática e dinâmica como o próprio idioma o é.

Como se tratava de uma clientela muito diferente daquela com que a professora fora acostumada a lidar a vida inteira, ela percebeu logo que deveria usar os mais variados métodos de ensino para atingir seus objetivos sem entediar a plateia. E a convite seu, Música, Poesia, Teatro e Fotografia apresentaram as suas medidas facilitadoras servindo como mediadores daquela dedicada professora cujo maior mérito era amar o que fazia. Eis aí o segredo dos grandes mestres: a paixão pelo que fazem.

Os Substantivos, em gracioso bailado, para demonstrar a maneira como eram realizados, convidaram a vogal /O/ para intermediá-los. E os passos entrecruzavam-se em sequência: Arb-O; Stel-O; Mar-O; River-O.

E os espectadores aprenderam de uma maneira deveras interessante que as palavras desta categoria terminavam com a letra O.

Os Adjetivos repetiram a mesma coreografia, mas convidaram a vogal A como intermediária. E os passos entrecruzavam-se na seqüência: Bel-A; Bril-A; Fort-A; Rapid-A.

E a compreensão fez-se imediata para mais uma regra do Esperanto pela qual todos os Adjetivos terminam em A.

A Dr-a Zan desejou saber como era a tonicidade daquela língua. E como neste idioma as cinco vogais estão presentes o tempo todo, as palavrinhas organizaram-se em grupos que à maneira de graciosos saltimbancos, pulavam mais alto quando a sílaba tônica se apresentava. Os tambores marcavam a cadência ritmada, gostosa da pronúncia do Esperanto. E assim todos víamos a seguinte cena:

Es-pe-RAN-to; ri-VE-ro; ra-PI-da; FOR-ta...

E a nossa Doutora compreendeu e comentou comigo que a tonicidade se dava sempre na antepenúltima sílaba. Genial o Dr Zamenhof!

Realmente, Brux estava coberta de razão ao dizer que esta é uma língua mágica. Ela recebe e merece de nós todos os adjetivos, mas este é o que melhor se enquadra, se ajusta para defini-la.

Seguiram-se os Verbos e a vogal I foi a grande convidada como parceira vigorosa e solícita na encantadora coreografia.
Parol-I; Vid-I; Salt-I; Danc-I; Kur-i; Kis-I...

Todos estávamos maravilhados com aquele espetáculo inesquecível para cada de um nós ali presentes.

Para cada uma das dezesseis regras do Fundamento, algo caracterizado pela Arte foi apresentado, e quem me lê e é esperantista sabe muito bem do que falo. Aos que ainda não conhecem o Esperanto fica o convite, claro!

E Brux?
Ficou a pergunta no ar.
Onde estaria a feiticeira misteriosa? 

Fui encontrá-la na Biblioteca. Estava pensativa e havia algo diferente em sua expressão.
Permaneci em silêncio porque conhecia o modo de ser daquele ente tão especial para mim, mas sabia que o adeus estava perto.

- Não gosto de despedidas.
- Eu sei. Posso pedir um favor?
- Claro.
- Dá notícias.
- Adiaŭ.
- Adeus. Dankon.

Quando nos veremos outra vez só ela pode dizer, mas certamente já estou com saudade da minha grande amiga que mora pertinho das estrelas...
Ao ver a minha tristeza, a Fada Niath cochichou num sorriso: ela volta.

- Mas eu a senti tão diferente... cheguei sentir um aperto no coração ao vê-la partir.

- Você consegue guardar um segredo?

- Claro!

- Brux está apaixonada. Mas ela volta para narrar a sua experiência, amorosa, eu garanto.

- Estranho! Nunca ouvi dizer que bruxas se apaixonassem...

- Mas Brux é especial e eu tenho certeza que sua história de amor vai ser muito emocionante.

- Será que vai ter um final feliz, Fada Niath?

- Isso só a próxima história dirá. E para se saber é preciso enviar uma grande quantidade de cartas para a terceira estrela ao lado direito da Lua Nova

- Mas como se faz isso?


- Simples. Envie aos cuidados da dona do blog que ela fará chegar às mãos de Brux em segurança.


3 comentários:

  1. Emocionante, encantador, ma'gico ! Obrigada, bruxinha querida! Esse conto tem que ser publicado com muitas ilustrações. A comunidade do Esperanto merece e agradece!

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  2. Tre simpatia, poezieca, viveca, bonhumora! Brux estas charma figuro...

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  3. Um lindo conto o qual divulga e se tem as primeiras noções da língua Esperanto. Adorei, e sinto-me lisonjeada em alguns detalhes citados. Dirce!! Eu e Xena agradecemos.

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