domingo, 17 de abril de 2016

A torre da solidão


O discípulo aguarda o seu bondoso mestre para a última lição que encerraria sua temporada no Colégio das Montanhas Cobertas.
Está triste.

O mestre aproxima-se, faz a saudação habitual, senta-se sobre os joelhos, os olhos fechados, a respiração serena, meditação profunda, expressão de paz.

- O que te aflige?
- O medo.
- E por quê?
- Dei-lhe abrigo em meu peito e, cada vez que tento colher o pomo da coragem na árvore da sabedoria, ele, em serpente transformado, ameaça atacar-me sem piedade. Todas as outras tarefas a mim confiadas eu cumpri com alegria e boa vontade, mas vencer o medo...

O mestre, até então calado, convida o jovem a uma viagem no tempo. Sua voz pausada e firme é o leme seguro, o fio de Dédalo no labirinto das lembranças.                                               
 - Estiveste encerrado, durante a grande noite das nove luas negras,  na temível torre da solidão. E, porque blindada, não permite a quem ali é encerrado sequer uma réstia de luz. Espaço reduzido, alagado, vedado ao som, e a qualquer possibilidade de comunicação exterior, aguça no prisioneiro todos os sentidos que o capacita vencer até mesmo a fome e a sede, durante o longo período de isolamento ao qual é submetido.

Exímio nadador te tornaste para que pudesses resistir com bravura, à prova da submersão até que o tempo fosse cumprido e obtivesses a permissão de descer da torre, atravessar a grande caverna para finalmente vir saborear o mel e o sal da vida. Lembras?

- Não. - soluçou o discípulo.
- Mas há provas sobre tudo isso!
- Onde?
- Levanta e caminha até o lago.

O discípulo, obediente ao seu Mestre, levantou-se e, inseguro e trêmulo, caminhou até a beira do lago que refletia sereno o azul do céu e a brancura de algumas nuvens.

- Curva-te e observa atentamente o espelho das águas.

Ele olha atônito para a água que, a princípio, lhe parece turva.

- Seque as lágrimas. São elas que tornam turva a água que vês.

O discípulo olha, olha, e, desiludido, retorna ao seu mestre, que imperturbável, mantém-se ainda sentado sobre os joelhos numa integração total com o universo, com a natureza e consigo mesmo.

- O que tu viste?
- O céu, as nuvens refletidas, mestre.
- O que mais?
- Nada mais.
- Quem tu viste?
- Eu?!
- Tinha alguém mais ao teu lado?
- Não, senhor.
- Então, meu filho, és a prova cabal do que relatei.
- Mas e a noite das nove luas negras, o que é?
- O período normal da gestação.
- E a torre?
- O útero materno.
- E a lição do medo?
- Está encerrada na coragem de aceitar a vida.



4 comentários:

  1. Excelente lição de sabedoria! Tudo o que temos de fazer em nível missional está claro em nosso roteiro de vida. Basta que tenhamos um mínimo de inteligência intuitiva, para decifrarmos os sinais, que nem sempre se expressam em palavras.

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  2. É preciso coragem para nascer e morrer, renascer e 're-morrer' .... sem nunca sair da vida...

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  3. "La kuragho akcepti la vivon."
    Tiun frazon oni devas profunde primediti. Tie sidas la fundamenta timo.

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  4. Para quem precisa romper a barreira do medo que nos impede de seguir nossa jornada, a "Torre da solidão" nos faz refletir muito.
    Excelente, miga !
    Muito obrigada !

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