sábado, 2 de dezembro de 2017

A irmã estelar

“Chapéu pequeno,
 aba curtinha
 com três florinhas
 para enfeitar,
 molhadinhas de orvalho...
 colhidas no campo
 toda manhã.”

- É pra você, Nicole.
- Mas quem é você?
- Eu sou você!
- Queeeee?!

E Nicole acordou com um estirão no corpo. Crescera alguns centímetros. Olhou em torno, mas nada viu.
Arrumou suas coisas e foi para a escola.
Gostava de estudar, andar a pé, conversar e organizar os objetos ao seu gosto.
No caminho começou a cantarolar a música do sonho, e não é que lhe pareceu estar usando um chapéu mesmo?! Levou a mão à cabeça para certificar-se, olhou no espelho da lanchonete ao lado da escola e... nada!
Ela não via, mas sentia algo em sua cabeça, com longos e belos cabelos castanhos.
Bonita menina!

Quando entrou em sala, todos olharam para ela ao mesmo tempo e ouviu-se um coro de vozes: Como você está diferente hoje, Nicole!
A menina, disfarçadamente, levou a mão à cabeça, encolheu os ombros e sentou-se em sua cadeira.

Foi um dia muito especial aquele, mas ela não contou nada para ninguém, quer dizer, só pra Valentina.
Ué, mas se não contou pra ninguém, quem é Valentina então?
Ah, pois é... Valentina é sua boneca favorita! Ela havia ganhado algumas, mas aquela era especial!
Viera de muito, muito longe do Brasil.

Sua tia, que viajava constantemente pra tudo que era canto, ao chegar numa cidade de nome esquisito, que ela nunca conseguia guardar, mas sabia que ficava na França, se encantou pela boneca, que pela primeira vez na vida, viajou para outro lugar muito, muito distante do seu.

Decidiu chama-la de Valentina, em homenagem a sua valentia em viajar sozinha, dentro de uma mala escura e fria. “Se eu estivesse lá, você ia viajar no meu colinho!” dizia ela, abraçando a boneca de pano, que normalmente, amolda-se ao nosso corpo, quando a abraçamos.

Eu confesso que as bonecas de pano sempre foram as minhas preferidas! E o mais engraçado, é que quando a gente se dá conta, elas sabem tudo da nossa vida! Nunca entendi esse mistério...

Então Nicole chegou em casa e buscou logo a companhia de Valentina para dividir com ela o seu segredo.
Mas aí, deixa de ser segredo, não?
Nesse caso não, porque Nicole tinha certeza absoluta que Valentina nunca contaria nada pra ninguém! Nem mesmo pra outra boneca.

E a outra menina, a do sonho? Quem seria?
Desejou muito saber, mas o sono chegou dizendo que era hora de dormir e pronto! E como com o sono, ninguém pode, Nicole obedeceu, mas no fundo do coração, desejou muito saber da menina.

Ensinam os Mestres da Sabedoria, que ao desejarmos algo, do fundo do coração, nosso desejo se realiza, mas só se merecermos ou se o nosso desejo for para o nosso bem ou para o bem dos outros.

- Oiê!
- Oi! Que bom ver você outra vez!
- Vem comigo, mas para isso, use o presente que te dei.
- Mas eu não vejo!
- Ensinei como se faz para que ele se ajuste a nossa cabeça, não?
- Ah! A música?

E ela começou a cantarolar, num ritmo delicado e gostosinho a melodia do chapéu.

“Chapéu pequeno,
 aba curtinha
 com três florinhas
 para enfeitar,
 molhadinhas de orvalho...
 colhidas no campo
 toda manhã.”

- Nossa! Onde estamos?
- Nas estrelas.
- É tão lindo!    
- Os planetas também são. Tudo que Deus fez e continua fazendo, é muito lindo! Basta a gente acender a estrela do olhar para ver a beleza da criação.
Nicole estava tão impressionada com aquela realidade que se esqueceu completamente de perguntar à simpática amiga o seu nome e porquê ela fazia parte do seu sonho, mas lembrou-se de perguntar sobre o chapéu.
- É meu presente de aniversário.
- E como você sabe isso?
- Vou contar um segredo, Nicole. Os sonhos são mais curtos que a vida de uma borboleta e  cada explicação às perguntas, é tempo que se perde para novos saberes, descobertas e conhecimentos.
- Ah, então é por isso que as vezes a gente só vai entender um sonho, tempos depois?
- Também.
- E por que tem gente que não sonha?
- Na verdade essas pessoas não se lembram porque não dão importância aos sonhos, mas todos sonhamos.
- Até quem mora nas estrelas?
- Claro! Tudo e todos nós fazemos parte do sonho de Deus.
- Tão bonito isso que você falou!  sonho de Deus... Dá vontade até de escrever uma história contando algo sobre os sonhos de Deus!
- Muito bem! Mas agora é hora de voltarmos.
- Já?! Parece que foi tudo tão rápido.
- O tempo varia de acordo com o local que estejamos.
- Vou ver você outra vez, irmã?
- Amanhã, Nicole. Sou mesmo sua irmã.

No dia seguinte a menina levantou-se até mais cedo, sentia-se bem disposta e desejou escrever alguma coisa, que acreditava ser de grande importância, mas não conseguia lembrar-se exatamente do que.
O dia transcorreu normalmente, com seus cenários costumeiros, suas tramas dramáticas ou cômicas, mas Nicole parecia experimentar alguma coisa que transcendia a tudo aquilo.

Interessante o comportamento humano... Muda-se o foco, muda-se a atitude diante do cotidiano.
As cores ganham novas matizes, as pessoas tornam-se mais cordiais, tudo ganha uma leveza encantadora!

Nicole olhou-se no espelho e sorriu para o seu novo reflexo.
Pensou em cantarolar a música do chapéu, mas não querendo abusar do poder que ele lhe oferecia, decidiu desenhá-lo segundo os seus versos. E o desenho a agradou tanto, que ela decidiu colar a gravura na capa do seu caderno. Assim poderia ver o gracioso e mágico chapeuzinho, quando não pudesse ou melhor, não devesse usá-lo.
Mas o que ela náo esperava era o interesse de suas colegas pelo seu singelo trabalho...

- Ai, Nicole, que lindo! Onde você comprou?
- Não comprei. Eu fiz.
- Faz pra gente também?
- A gente paga você com a nossa mesada.
- Faz aí, faz?!

E a menina, sem esperar, viu em sua delicada arte, uma possível fonte de renda, que talvez a transformasse no futuro, em uma desenhista de chapéus... Será?
Bem, ela ainda não sabe nada sobre esse sonho, mas em breve saberá.

Colocou Valentina sobre a banqueta da penteadeira e contou tudo pra ela, em primeiro lugar, é claro! Depois falaria com a irmã estelar e finalmente, com seus pais sobre a novidade.

Deixaria os pais por último, porque sabia que eles poderiam não concordar, temendo que ela se descuidasse da escola, mas Nicole trazia na alma o gosto pelos estudos e com ele, a certeza que não correria esse risco.

Planejou o seguinte: se a irmã das estrelas... ei! Naquele exato momento brihou uma ideia muito maneira! Encontrara um nome certo para aquela irmã: Estela! Será que ela vai gostar?

“Chapéu pequeno,
 aba curtinha
 com três florinhas
 para enfeitar,
 molhadinhas de orvalho...
 colhidas no campo
 toda manhã.”

- Claro que gostei do nome que você escolheu pra mim, Nicole! E acho ótimo que desenvolva esse talento tão belo. Quanto mais você exercitar as mãos, melhor será o seu traço. Faça suas mãos dançarem para adquirirem leveza. Apenas duas observações:

Primeiro nunca deixe de sonhar; segundo... bem, você mesma deverá descobrir.
Estela se foi e Nicole, munida de papeis, lápis coloridos e muito talento, é claro, traçou dez chapéus quase iguais ao seu, mas sempre com uma nuance aqui, um detalhe ali, fazendo toda a diferença. Personificando o trabalho à cada uma das colegas.
Era esse o segundo conselho de Estela.

- Nicole, vem jantar.
- Já vou, mãe.

Então ela reuniu tudo que produzira e mais o seu próprio caderno e mostrou à família. Todos amaram a nova artista, que aproveitou  o ensejo para revelar sobre o novo projeto, que naturalmente, encontrou resistência dos pais pelo cuidado com estudos, Exatamente como ela previra.
Nicole venceu e, sem saber, começou a sonhar com o futuro.
           
                        “Nós somos do tecido de que são feitos nossos sonhos.”
                                                                        William Shakespeare


6 comentários:

  1. Mais uma vez, Dirce, minha gratidão sincera pelo comovente conto dedicado à minha querida sobrinha-neta Nicole!

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  2. Infanrakontoj estas ia kurioza ghenro. Ili estas ekstere simplaj kaj naivaj. Se oni profundigas la legadon, jen montrighas sagho kaj poezio. Dirce estas talenta sorchistino en tiu ghenro.

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  3. Lindo conto, Dirce! Um grande incentivo para sonhar.

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  4. Você continua muito bem inspirada, Dirce!
    Belíssimo conto, com muita poesia!
    Parabéns!

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  5. Você continua muito inspirada, amiga!!!
    Belíssimo conto que prende muito a atenção do leitor!
    Parabéns!!!

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