domingo, 6 de outubro de 2013

Brux e a Pedra-Fonte

   


                                               


                      

Brux recebeu um bilhete do Mago Estelar, incumbindo-a de encontrar a Fonte que morava dentro de uma pedra.
Franziu o cenho e reteve o papel entre as mãos tentando absorver melhor a energia do seu Conselheiro-Mor antes de iniciar a tarefa que lhe fora confiada.
Na saída do casarão, a pequena gruta construída por ela mesma com rochas delicadas que trazia dos vários lugares por onde passava era um ponto de energia onde ela se demorava um pouco mais a meditar, quando precisava resolver algum problema que envolvesse mais mistérios que os costumeiros.
Pegou uma das pedrinhas soltas por ali, reteve-a na mão esquerda por alguns segundos e, ao abri-la, percebeu que sobre o pequeno fragmento de rocha, aparecia uma seta indicando o Norte.
Guardou a pedra-bússola na minúscula bolsa presa no longo cordão que pendia até a cintura, olhou detidamente para cada ângulo da casa em que morava, como se carregasse cada pedacinho com o magnetismo do seu olhar.
Acariciou o pelo negro de Ariosto, seu gato inseparável, cochichou algo à Avínia, sua coruja auxiliar e partiu.
Viajou durante a madrugada como de hábito e, ao amanhecer, chegou ao local indicado pela pedra-bússola.
Um lugar de mata fechada, com um rio sereno e bom caminhando por entre suas árvores densas, repletas de energia nativa e silêncio que tanto agradava à Feiticeira.
Brux aprendera a treinar os ouvidos para captar os conselhos, as orientações e as melodias sutilíssimas do Silêncio. Como era belo tudo aquilo...
Não tinha pressa e por isso palmilhava cada pedaço de chão como se fosse extensão de sua própria casa, segura de si, do que sabia e do que podia realizar.
Ao atingir a cabeceira do rio, escolheu na margem esquerda a árvore mais adequada, instalando ali seu Posto Avançado de Observação.
Em meio à mata, adquiria no olhar e nos movimentos a calma estudada dos felinos, tendo o cuidado de silenciar os próprios pensamentos...
A milenar e misteriosa Brux...
Eu sempre ouvira contar que as feiticeiras eram entes do mal, poderosas e extremamente temidas porque usavam todos os seus poderes para a realização dos piores sortilégios. Mas Brux era diferente. Tinha algo de bom, de confiável apesar de sua escolha em viver sozinha, ser contrária a determinadas práticas, absolutamente avessa aos famigerados rituais comuns aos seus pares. Assim era Brux.
Quando a noite ia alta e a Lua Cheia aproveitava para banhar-se nas águas, a Pedra Solitária na margem direita do rio, bem na direção de sua árvore-posto, mexeu-se como se possuísse vida própria. Diante dos olhos observadores de Brux, a Pedra abriu-se e dela saiu uma jovem que lembrava as ninfas, as nereidas, as náiades da mitologia grega.
Saiu, correu para as águas, mergulhou e de volta à superfície brincou com os raios do luar como se fossem cordas de uma grande lira que ao toque de seus dedos produzia doces e melancólicas melodias.
Sua voz afinada juntava-se às vozes das águas, do vento, das folhas que se balançavam suavemente como numa dança repleta de encantamento.
Depois, deitou-se sobre a areia fina que formava a prainha do rio e ali ficou como a desentorpecer o corpo e contemplar o céu distante.
Após o descanso, em meio aos seus cânticos, encheu alguns cântaros com a água amiga e regressou à sua pedra-prisão.
Brux acompanhou todos os movimentos da pequena náiade sem que ela suspeitasse estar sendo observada por olhos tão poderosos e especiais.
Dizem que jamais estamos absolutamente sozinhos. Onde quer que nos encontremos sempre alguém nos vê e por isso devemos cuidar muito bem do que fazemos.
Durante todo o tempo em que a Lua deixou-se contemplar em toda sua nudez, Brux acompanhou a saída e o regresso da pequena náiade em seu ritual de música, banho, canto e transporte de águas para sua moradia.
Por que ela deixou-se prender? Era um ente, tinha poderes também porque então a prisão voluntária?
Alguns dias depois sempre ao comando da maior feiticeira de todos os tempos, Selene ou Lua como é mais conhecida, Brux começaria a desvendar os segredos que envolvem os seres com suas teias pegajosas.
Quantas vezes tivemos notícias sobre romances inverossímeis entre entes mitológicos e seres humanos?
Os deuses gregos eram mestres em disfarçarem-se de humanos quando se apaixonavam pelos mortais. Ou mesmo um amor entre entes da mesma natureza, mas vivendo em  mundos distantes como o grão de areia e a estrela, imortalizados na canção popular.
Quando a Lua começou a esconder-se lentamente como uma linda mulher nua a cobrir-se para dormir, Brux viu surgir um jovem pescador que, na maior naturalidade, colocou seus pertences sobre a margem, despiu-se e mergulhou nas águas inquietas e borbulhantes que se abriram acolhedoras para receberem o jovem amante que vinha ao encontro do ser de sua paixão.
Era assim...
Durante a Lua Minguante o pescador surgia para seu banho energizante e, na lua Nova, quando a treva cobria a mata, os namorados encontravam-se e se amavam sob as estrelas cúmplices ou as nuvens que, protetoras, mantinham-se em alerta e, ao menor sinal de perigo, providenciavam uma chuva torrencial para que os jovens tivessem tempo de esconderem-se dos olhares maldosos.
Mas certa vez o pescador decidiu que entraria no esconderijo de sua amada onde permaneceria para sempre! A vida não fazia mais sentido para ele num mundo onde ninguém seria capaz de entender um segredo daquele teor, onde a revelação da verdade o transformaria em um louco num hospital qualquer, seria ridicularizado, desprezado pelos seus e excomungado pela igreja.
Então para que continuara aqui?
Brux entendeu seu papel naquela história. Era hora de entrar em ação. Sabia que, se tal fato ocorresse, a jovem ninfa seria severamente punida pelos Entes da Floresta e o jovem seria conduzido a um labirinto sem volta porque a vida era sagrada e a ninguém era dado o direito de dispor-se dela.
Era uma dádiva, uma herança divina e quem ousasse jogar fora tal doação ficaria preso a sofrimentos atrozes, presa de monstros implacáveis que se compraziam em devorar as forças mentais, o pensamento, o equilíbrio do desafiante. Era o Inferno de Dante, o poeta inconformado com a morte de sua musa.
Brux apressou-se na tomada de decisões. Curioso... ela sempre era convocada para ajudar na resolução de casos de amor, mas por sua vez, vivia tão só...
Traçou um plano audacioso, mas, já acostumada ao ritmo dos grandes desafios, acelerou o processo do pensamento produtivo e deu início a sua nova aventura.
Cá entre nós, as Feiticeiras sabem como ninguém, usar a magia com precisão, no momento certo. Jamais desperdiçam a energia-reserva muito bem guardada para as eventuais emergências.
Buscou em seu alforje um livro tão minúsculo que cabia folgadamente na palma da mão fechada! Acomodou-o aberto num ponto estratégico do seu Posto de Observação, concentrando agora o magnetismo de seu olhar penetrante na mente do Pescador que caiu numa espécie de transe, de torpor, bastante comum aos mortais, em regiões de grande concentração energética como ali. Os três Reinos da Natureza em profusão, os elementais, entre outros, contra apenas um representante do Reino Hominal... ah! Muito fácil para Brux usar de toda sua magia.
Força dos astros, força da Terra e de todos os elementais numa potencialização extraordinária emprestavam à Brux um ar de Sacerdotisa que, serena, manipula os variados tipos de energia ao seu dispor, ao redor de si, em caráter de prontidão para servir.
O Pescador cai em sono profundo.
Brux passeia pela região encantada de seus sonhos e, na maior naturalidade, dá movimento ao pequeno livro e o pescador vê as águas do rio transformadas em páginas e mais páginas que passam diante de seus olhos como se alguém as manuseasse, mas um detalhe o intrigava: o livro não continha palavras, figuras, nada! Como podia ser aquilo? Um livro totalmente em branco...
De repente, da Pedra-Fonte, a pequena ninfa surge e passeia sobre as águas, quer dizer, sobre as páginas do livro líquido.
São deveras interessantes as mensagens dos sonhos... intrínsecas, mágicas, como se a instigar-nos o despertar para outras situações que nos parecem impossíveis, intocáveis, mas que, na verdade, estão ao alcance da nossa mão o tempo todo bastando um pouco de boa vontade da nossa parte.
Brux prossegue com seu plano. Até onde iria a capacidade do campo imagético daquele ser? “Os mistérios entre o céu e a terra” do grande dramaturgo inglês, materializavam-se ali naquele momento. Realmente... o que sabemos nós, os simples mortais, sobre tudo isso?   Nossas preocupações cotidianas, construídas muitas das vezes com banalidades, futilidades tais que não nos sobra tempo para pensarmos, ainda que por alguns instantes, em quanta beleza, quantas mensagens, ensinamentos profundos em meio a tudo que nos cerca.
Mas voltemos à narrativa.
A ninfa deixou as águas por um momento, aproximou-se do seu amado e deitou-se sobre o seu corpo suavemente deixando-se ficar assim por alguns instantes como se fora um manto, um manto tecido com a delicadeza e ternura daqueles que amam.
Depois regressou à Pedra e de lá trouxe uma chave. Mas o curioso é que aquela chave, ao invés do modelo tradicional, tão comum para nós, possuía uma ponta que lembrava a ponta de um lápis.
Brux... Ao convocar o Pescador para o mundo dos mortais, ela o fez compreender tudo! Despertou-o para a materialização de sua própria história! Ao transferir seu sonho de amor para o papel consegue a chave para adentrar o Reino Encantado de sua amada Ninfa e viver com ela a mais bela realidade de amor.
A magia do saber transforma um simples lápis numa poderosa e infalível varinha de condão que dá ao seu possuidor poderes que os mortais acreditam tratar-se apenas de mera imaginação... Será?
Consigo antever o sorriso enigmático da minha grande e inseparável Feiticeira amiga, já de volta ao seu solitário casarão, na esperança de vê-la retornar trazendo consigo mais uma de suas encantadoras histórias de amor...

4 comentários:

  1. Parabéns mais uma vez, amiga querida! O segredo da magia de sua palavra esconde-se na Palavra Poética, sua varinha de condão que cria melodias, contos, poemas e muito mais...
    Extasiei-me especialmente ao ler: "brincou com os raios do luar como se fossem cordas de uma grande lira que ao toque de seus dedos produzia doces e melancólicas melodias".

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  2. Que lindo Dirce! Eu como uma romântica de carteirinha, adorei!! estou a suspiros.....

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  3. Bela rakonto, en la rava stilo de antikvaj fabeloj, plena je mistero, romantiko, poezio kaj imagemo. Chu tiu aminda sorchistino reaperos en aliaj rakontoj? Mi shatus revidi shin...

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