terça-feira, 1 de outubro de 2013

Causos



                                            

Papai descendia de família grande, boa de conversa que era só.
Nos fins de semana, na roça, quando a maior parte do povo estava em casa, a gente se reunia para uma prosa e daquelas boas em que o riso rola fácil.
Certa vez ele viu-se a braços com uma situação hilária e difícil de fugir e, como eu era sua acompanhante, posso, como ninguém, narrar o episódio.
Nós chegamos à estação rodoviária e quando íamos comprar a passagem, uma figura saída sabe Deus de onde, acenando ruidosamente, nos fez parar. Papai me olhou de soslaio e fez:
- Hummm...
Aproximou-se a criatura e num abraço cheio de gordura, limpando a boca com as costas da mão, acariciava os cabelos, o rosto, a camisa de papai e bem alto, a voz estridente, repetia:
- Essemenino, ocê é fi’ de Dita, né mes’?
- Sou.
- Ai, meu Deuso... ai, meu Deuso, fi’ de Dita! Benzo Deuso, meu fio.
E desenhava o sinal da cruz na testa de papai que fazia um esforço sobre-humano para manter-se sério.
- Obrigado.
- Mas ocê é quem mesmo? É Zinh’, né não?
- Não, senhora.
- É Meque?
- Também não.
- Será Genisso?
- Não.
- É quem?
- É Dirceu, Dona Aninha.
- Dirceu?! Ai, meu Deuso, ai, meu Deuso... Ocê não é aquele que mora no Ri’?
- Eu mesmo.
- Dispois escreve o endereço, quem sabe um dia eu possa aparecer por lá, pra u’a semaninha...
Papai arrumou um pigarro que nem sei de onde veio.
- Dona Aninha, eu...
- Peraí um cadinh’... Ô Joaaaaaaaaana... corre cá, menina!
Vem a Joana correndo, o sapato alto, de salto torto quase saído do pé, suada, cabelo todo emaranhado, chega e toda esbaforida reclama:
- Ô, mãe, você sabe que não posso correr, tô incomodada...
- Larga mão de bobage e fala mais Dirceu, o fi’ de Dita, o que mora no Ri’, tá lembrada não?
E a filha estende a mão desajeitada num cumprimento frouxo, como quem não está a par de nada, e talvez nem mesmo se lembrasse de quem era a Dita que a mãe tanto repetia.
- E a mocinha é quem, Dirceu?
-É minha filha.
- Xéeente! Se passasse por mim na rua, era capaz de eu nem conhecer por causo de que eu vi ocê, pela premera vez, ocê era desse tamanin’ e fazia um gesto como a definir uma caixa de sapatos. E lá vinha a mão engordurada para o abraço afetuoso...
- Dona Aninha, a senhora me dá licença porque o nosso ônibus já encostou.
- Ocê tá indo pra onde, Dirceu?
- Pra casa de mamãe.
- Menino, não é que eu mais Joana tamo indo pra aquelas bandas também? É capaz mesmo de eu até dar u’a chegadin’ em casa de comadre Dita, pra um cafezin’ com mistura, hein, Joana?

E eu nunca vi uma viagem de quarenta minutos parecer tão longa!

4 comentários:

  1. E assim vais-se desenrolando esse novelo fantástico: ora feito de magia e encanto, ora costurado com um humor inteligente, regado com o saboroso dialeto caipira. E a Dirce vai... Para a nossa alegria!

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  2. Contador(a) de causos é dessas instituições mineiras que a gente não esquece. O conto recria o falar típico e a atmosfera da região, encanto e magia guardados no coração. Ô saudade!

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  3. La leganto vidas la scenon! Kiel en filmo! Vigle.

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  4. Papai também falava "Meu deuso", entre outras expressões bem de raiz, mesmo com mais de 70 anos de "Ri de Janer"...rsrsrs. Saudade também...dele...da roça...de ocê, moça!

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