quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Conversê




- Comadre Nora, a comadre tá alembrada de Joana?
- Qual é Joana? Joana de Preto?
- Não. Joana de Borges, cria de Venceslau.
- Mãe de Quinzinho, o doutor que virou trapezista e de Doralice que foi estudar nas europas e voltou prenha?
- Mas não é?
- A viúva de Borges, que fazia dentadura e o povo pagava com um capado*, uma rês, um ganso ou um engradado de cerveja?
- Em pessoa...
- Me alembro, como se fosse hoje, quando ela se mudou daqui da rua, toda emproada, boatando a quatro ventos que desse lado de cá do rio não era ambiente pra criar os filhos, que o povo de cá só queria saber de conversê por cima do muro ou no portão de casa, mas isso tudo era só desculpa pra assuntar a vida dos outros.
- Isso mesmo.
- O, pessoa entojada!
- Nem me fale...
- Mas o que tem ela?
- Pois não é que a criatura me achou de morrer?!
- Valei-me, Santo Amaro! E eu aqui falando mal da finada...
Ainda bem que Deus perdoa... A pobre tinha lá os seus defeitos, mas...
- É, a gente sabe, né? Mas...
- Foi quando?
- Ontem, tarde da noite.
- E quem deu a notícia pro cê?
- O Vigário. Veio aqui cedinho! e de bicicleta, o santo!
- Não sei como não cai com aquela saia comprida nessa ventania...
- Comadre...
- Mas morreu do que mesmo, Genô?
- Não sei direito não, mas diz o povo, que ela morreu de miolo cozido.
- Ó que eu tenho pra mais de setenta e nunca escutei falar nessa maleita... O que houvera de ser?
- Que o povo não me escute, mas é bem capaz de ser que ela tivesse incomodada e daí teimou, lavou a cabeça e garrou secar o cabelo debaixo do sol quente.
- Mas foi o vigário que falou isso tudo pro cê, Genô?!
- Não, Nora, já se viu? Eu to aqui caçando na memória, coisas lá da minha infância e tenho pra mim, que muitas manias que rezava os antigos era certa, viu?                                                              
Vó Zenaide ensinou pra mãe e mãe ensinou mais eu, quando fiquei mocinha, que lavar a cabeça quando a gente fica  incomodada, ou faz maluquecer, ou cozinha os miolos e mata... Ó a prova!
- Bom, eu não gosto muito de velório, porque sou muito impressionada e fico vendo o defunto em tudo quanto é canto depois, mas em respeito a Santa Madre Igreja, vou prestar a última homenagem à finada. Vai comigo, Genô?
- Me deixa caçar um galhinho de arruda primeiro, Nora.
- Mas qual que é a serventia?
- Mãe dizia que é bom colocar um raminho atrás da orelha por causa de que o cheiro afasta as almas penadas.
- Cruz credo! Não fala essas coisas dentro de casa não, mulher! isso atrai! Ai, fiquei toda arrepiada... E se benze.
- Pega o terço, Nora.
E lá se vão as duas tagarelando pela rua sobre os mistérios da vida e da morte.

(*) Capado era um termo usado na roça para designar o porco bem gordo.



2 comentários:

  1. Mirinda reprodukto de la parolmaniero - kaj de la pensmaniero de popolanoj en certa regiono de Brazilo. Tute ne tradukebla al alia lingvo, almenau fidele. Tre interesa!

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  2. Já conhecia esse saboroso conto tecido numa linguagem regional que revive no seu texto. Sou mineira, mas nunca tive a oportunidade de conviver com esse linguajar que espelha s cultura de um povo perdido no tempo . ;)

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