- Comadre Nora, a comadre tá alembrada de Joana?
- Qual é Joana? Joana de Preto?
- Não. Joana de Borges, cria de Venceslau.
- Mãe de Quinzinho, o doutor que virou trapezista e de
Doralice que foi estudar nas europas e voltou prenha?
- Mas não é?
- A viúva de Borges, que fazia dentadura e o povo
pagava com um capado*, uma rês, um ganso ou um engradado de cerveja?
- Em pessoa...
- Me alembro, como se fosse hoje, quando ela se mudou
daqui da rua, toda emproada, boatando a quatro ventos que desse lado de cá do
rio não era ambiente pra criar os filhos, que o povo de cá só queria saber de
conversê por cima do muro ou no portão de casa, mas isso tudo era só desculpa pra
assuntar a vida dos outros.
- Isso mesmo.
- O, pessoa entojada!
- Nem me fale...
- Mas o que tem ela?
- Pois não é que a criatura me achou de morrer?!
- Valei-me, Santo Amaro! E eu aqui falando mal da
finada...
Ainda bem que Deus perdoa... A pobre tinha lá os seus
defeitos, mas...
- É, a gente sabe, né? Mas...
- Foi quando?
- Ontem, tarde da noite.
- E quem deu a notícia pro cê?
- O Vigário. Veio aqui cedinho! e de bicicleta, o
santo!
- Não sei como não cai com aquela saia comprida nessa
ventania...
- Comadre...
- Mas morreu do que mesmo, Genô?
- Não sei direito não, mas diz o povo, que ela morreu
de miolo cozido.
- Ó que eu tenho pra mais de setenta e nunca escutei
falar nessa maleita... O que houvera de ser?
- Que o povo não me escute, mas é bem capaz de ser que
ela tivesse incomodada e daí teimou, lavou a cabeça e garrou secar o cabelo debaixo
do sol quente.
- Mas foi o vigário que falou isso tudo pro cê, Genô?!
- Não, Nora, já se viu? Eu to aqui caçando na memória,
coisas lá da minha infância e tenho pra mim, que muitas manias que rezava os antigos
era certa, viu?
Vó Zenaide ensinou pra mãe e mãe ensinou mais eu,
quando fiquei mocinha, que lavar a cabeça quando a gente fica incomodada, ou faz maluquecer, ou cozinha os
miolos e mata... Ó a prova!
- Bom, eu não gosto muito de velório, porque sou muito
impressionada e fico vendo o defunto em tudo quanto é canto depois, mas em
respeito a Santa Madre Igreja, vou prestar a última homenagem à finada. Vai
comigo, Genô?
- Me deixa caçar um galhinho de arruda primeiro, Nora.
- Mas qual que é a serventia?
- Mãe dizia que é bom colocar um raminho atrás da orelha
por causa de que o cheiro afasta as almas penadas.
- Cruz credo! Não fala
essas coisas dentro de casa não, mulher! isso atrai! Ai, fiquei toda
arrepiada... E se benze.
- Pega o terço, Nora.
E lá se vão as duas
tagarelando pela rua sobre os mistérios da vida e da morte.
(*) Capado era um termo usado na roça para designar o
porco bem gordo.
Mirinda reprodukto de la parolmaniero - kaj de la pensmaniero de popolanoj en certa regiono de Brazilo. Tute ne tradukebla al alia lingvo, almenau fidele. Tre interesa!
ResponderExcluirJá conhecia esse saboroso conto tecido numa linguagem regional que revive no seu texto. Sou mineira, mas nunca tive a oportunidade de conviver com esse linguajar que espelha s cultura de um povo perdido no tempo . ;)
ResponderExcluir