sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Zotro



Há alguns anos, ainda na ativa, fui cedida como professora substituta para reger uma terceira série do primeiro segmento, numa escola próxima a de origem, um termo bastante comum entre os profissionais da Educação, no município do Rio.
Era uma classe extremamente indisciplinada, com suas dificuldades naturais e um número considerável de crianças que não sabiam ler, nem escrever, eram apenas copistas.
Comecei a dar tratos à mente, no sentido de ajudá-los a mudar aquele quadro humilhante que usa a rebeldia e a indisciplina como disfarce para que os professores e principalmente os colegas já alfabetizados, não “zoem” deles.
Um dos alunos, muito mimado e controlado pela mãe, que sequer o permitia brincar, para não sujar a blusa do uniforme - num branco impecável -  todos os dias, ao me ver chegar, já trazia entre dentes, a mesma queixa:
- Professora, olha os “zotro” me botando apelido... professora, olha os “zotro” passando a mão na minha camisa...
Certo dia, sob um calor escaldante, a sala sem um ventilador, porque eles mesmos quebraram a bendita peça, ao ouvir a voz do queixoso, eu levantei a cabeça e alteei a voz:
- Zotro! Zotro? Cadê você?
Ninguém entendeu nada e o silêncio foi estrondante.
O menino entendeu o recado e se calou.
No dia seguinte, na hora da chamada, eu fui nomeando a classe e no final, repeti a fala anterior:
- Zotro!
- Faltou! Gritou alguém.
- Obrigada.
- Quem é Zotro, professora?
- É um menino que faz tudo errado, sabe? Ele bate na cabeça do colega, bota o pé na frente para o outro cair, bota chiclete no cabelo das meninas, rasga o caderno dos colegas, quebra o lápis, o ventilador...  Mas ele nunca é punido porque a gente não consegue vê-lo!
- A gente podia fazer um retrato do Zotro, né, professora?
- Boa ideia! Amanhã eu providencio o material e todo mundo vai ajudar na tarefa.
No dia seguinte, peguei uma folha conhecida como 40 k, que é bem extensa, convoquei o menorzinho da turma e pedi a ele que se deitasse sobre a folha estendida no chão. Outras crianças se revezavam contornando o corpinho do colega, até completar a silhueta.
Depois eles foram enfeitando o bonequinho com boné, óculos, corações, estrelinhas, relógio, tudo com muito capricho e muito colorido.
Quando o desenho ficou pronto, imitando o capricho das crianças, eu escrevi embaixo: ZOTRO.
Zotro passou a ser um personagem muito especial para aquela 3ª série e o menino queixoso, óbvio, transformou-se.
Alguns meses depois, fui transferida para outra unidade e senti falta da minha turma indisciplinada, que aprendera a importância da interatividade.
No mês de outubro recebi um telefonema do diretor da escola referida, dizendo que a turma me convidara para madrinha de uma solenidade de final de ano.

Pena que Zotro não pode comparecer...

3 comentários:

  1. Uma bela lição que só pode dar uma grande Mestra!
    Parabéns, Professora!

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  2. ´Zotro´ estas tre interesa figuro. Li povus reveni de tempo al tempo al la blogo, kiel Brux kaj aliaj. Ankau Petrusca. Iom post iom vi arte kreas galerion!

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  3. Dirce, amo as suas histórias com este teor super didático e bem humorado.! Estou sempre aprendendo com você. Obrigada!

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