Há alguns anos, ainda na ativa, fui cedida como
professora substituta para reger uma terceira série do primeiro segmento, numa
escola próxima a de origem, um termo bastante comum entre os profissionais da
Educação, no município do Rio.
Era uma classe extremamente indisciplinada, com suas
dificuldades naturais e um número considerável de crianças que não sabiam ler,
nem escrever, eram apenas copistas.
Comecei a dar tratos à mente, no sentido de ajudá-los a
mudar aquele quadro humilhante que usa a rebeldia e a indisciplina como
disfarce para que os professores e principalmente os colegas já alfabetizados,
não “zoem” deles.
Um dos alunos, muito mimado e controlado pela mãe, que
sequer o permitia brincar, para não sujar a blusa do uniforme - num branco
impecável - todos os dias, ao me ver
chegar, já trazia entre dentes, a mesma queixa:
- Professora, olha os “zotro” me botando apelido...
professora, olha os “zotro” passando a mão na minha camisa...
Certo dia, sob um calor escaldante, a sala sem um
ventilador, porque eles mesmos quebraram a bendita peça, ao ouvir a voz do
queixoso, eu levantei a cabeça e alteei a voz:
- Zotro! Zotro? Cadê você?
Ninguém entendeu nada e o silêncio foi estrondante.
O menino entendeu o recado e se calou.
No dia seguinte, na hora da chamada, eu fui nomeando a
classe e no final, repeti a fala anterior:
- Zotro!
- Faltou! Gritou alguém.
- Obrigada.
- Quem é Zotro, professora?
- É um menino que faz tudo errado, sabe? Ele bate na
cabeça do colega, bota o pé na frente para o outro cair, bota chiclete no
cabelo das meninas, rasga o caderno dos colegas, quebra o lápis, o
ventilador... Mas ele nunca é punido
porque a gente não consegue vê-lo!
- A gente podia fazer um retrato do Zotro, né,
professora?
- Boa ideia! Amanhã eu providencio o material e todo
mundo vai ajudar na tarefa.
No dia seguinte, peguei uma folha conhecida como 40 k,
que é bem extensa, convoquei o menorzinho da turma e pedi a ele que se deitasse
sobre a folha estendida no chão. Outras crianças se revezavam contornando o
corpinho do colega, até completar a silhueta.
Depois eles foram enfeitando o bonequinho com boné,
óculos, corações, estrelinhas, relógio, tudo com muito capricho e muito
colorido.
Quando o desenho ficou pronto, imitando o capricho das
crianças, eu escrevi embaixo: ZOTRO.
Zotro passou a ser um personagem muito especial para
aquela 3ª série e o menino queixoso, óbvio, transformou-se.
Alguns meses depois, fui transferida para outra unidade
e senti falta da minha turma indisciplinada, que aprendera a importância da
interatividade.
No mês de outubro recebi um telefonema do diretor da
escola referida, dizendo que a turma me convidara para madrinha de uma solenidade
de final de ano.
Pena que Zotro não pode comparecer...
Uma bela lição que só pode dar uma grande Mestra!
ResponderExcluirParabéns, Professora!
´Zotro´ estas tre interesa figuro. Li povus reveni de tempo al tempo al la blogo, kiel Brux kaj aliaj. Ankau Petrusca. Iom post iom vi arte kreas galerion!
ResponderExcluirDirce, amo as suas histórias com este teor super didático e bem humorado.! Estou sempre aprendendo com você. Obrigada!
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