domingo, 6 de setembro de 2015

O livro de Brux


“Hoje, na 3ª árvore, à direita na entrada do bosque.”
É sempre essa a atitude da minha velha amiga. Ela nunca pergunta se posso, ela determina. E lá vou eu.
Misteriosa em tudo que faz e em si mesma, com seu olhar de luares e uma elegância e silêncio felinos, Brux não precisa muito para me convencer a estar onde ela precisa.
De pé, sem mover um músculo, olha para a majestosa palmeira que agita as folhas suavemente cedendo a carícia do vento.
A capacidade de silenciar em Brux transcende. Seu silêncio nos convida a uma viagem sideral, onde é possível ouvir Bilac em sua conversa com as estrelas.
E não quebra o silêncio, apenas o transforma numa fala, suave como uma canção.
- Impressionante a força deste vegetal...
- Uma pena que tão pouca gente saiba valorizar. Mas a que devo a honra de sua visita?
- Alguns projetos.
- Se eu puder ser útil em alguma coisa, pode contar comigo.
- Tenho um projeto de contação de histórias para um público bem diversificado.
- Você como contadora de histórias?!
- Não.
- Então quem?
- O livro, ora. Disse ela na maior naturalidade do mundo.
- Mas Brux, como um livro contaria histórias?
- Ora, você  anda esquecida dos inúmeros recursos do teatro?
- Claro que não. Bom, mas como o projeto é seu então, cabe a mim aguardar as diretrizes.
Brux olhou-me sem pressa.
- Amanhã nos falamos.
Do mesmo modo que chegou, partiu. E eu fiquei imaginando, tentando decifrar como funcionaria o projeto da minha querida amiga.
Quando dei por mim estava envolvida com papel cartão, cartolina, tesoura, cola, figurinhas, purpurina...
- Meu Deus, será que vai dar certo?
- Vai.
Olhei em volta, mas ela não se deixou ver.
Preparei um livro quase da minha altura, coloquei alças para que dar-lhe mobilidade e fui consultar o espelho.
Ridícula! Foi essa a minha impressão imediata.                                             Mas à medida que ia folheando o grande livro pendurado nos meus ombros, comecei a gostar da ideia...
Escolhi uma história muito antiga, bem conhecida das crianças e dos adultos, que fala sobre rejeição às diferenças, sobre a angústia da grande busca dos seus pares e da grande alegria ao final desse encontro  que nos remete ao nosso eu real e nos permite ver-nos refletidos num espelho diferente, bem diferente do habitual.
Que história é essa, afinal?
Ora, e a velha história do Patinho Feio, que na verdade, eu mesma, nunca pensara sob esse viés.
As ilustrações iam surgindo de forma suave, como surge os textos de quem está habituado a escrever com atenção e prazer, e fui aos poucos tornando viva cada página do grande livro. Gostei do resultado! A sensação do ridículo havia desaparecido e agora eu aguardava Brux com uma certa ansiedade.
Sobre a mesa da sala, o envelope com o selo em forma de patinha de gato, era Ariosto, o charmoso gatinho da minha amiga.
“Estarei na plateia.”
Brux...
Bem, resolvidos os trâmites comuns, chegou o dia da estreia!
Crianças entre sete e mais de setenta e sete anos aguardavam o Livro Falante.
- Ai, meu Deus!
- Não pense. Faça!
- Por que você não se mostra para eu me sentir um pouco mais segura?
- Construímos nossa segurança acreditando em nós mesmos.
Entrei lentamente no palco à meia luz e deixei que o grande livro fosse interagindo com o público, antes de começar a contar a sua história.
- Sabe, crianças? Nós, os livros, somos entes vivos! Precisamos muito do cuidado de vocês para que nossa viagem acompanhe o tempo. Essa história que eu vou contar agora, por exemplo, foi escrita há muitos séculos, na Dinamarca, um país que fica lá na Europa, por Hans Christian Andersen. 
- E cadê ele? Perguntou um menino na primeira fila.        
- Ah, ele precisou mudar-se para uma estrela, sabe aquela que aparece logo que a noite vai chegando?
- Sei!
- Então, a casa dele é lá agora.
- Por que? Perguntou outro.
E diante das perguntas que foram surgindo, o livro falante ganhava vida e eu ia sentindo mais segurança em interpretar o projeto da minha amiga que próxima a porta de entrada, olhava para mim com seu olhar de luares.


4 comentários:

  1. Adorei a volta de Brux! Viajei na magia desse encantamento com alegria quase infantil. Parabéns por mais esse presente delicioso, Dirce!

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  2. Poezia etoso! Mistera atmosfero! Vivu Brux!

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  3. Maravilha Dirce !! Essa Brux com você é demais.! Essa ideia é ótima para você divulgar o Esperanto com as crianças no próximo evento em Niterói.

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  4. Amo a Brux e amo vc Dirce ! Ás vezes chego a pensar q as duas são uma só . . .
    Beijos, Brux-inha Dirce.

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