sábado, 21 de setembro de 2013

Gaia







Conheci Gaia no verão passado, num balneário do litoral fluminense em um recanto repleto de pedras em fantásticos arranjos que a Natureza nos prepara constantemente.
Sentada próximo à uma pedra tabuleiro, a pequena Gaia, com seu caderno de nuvens cor rosa perolado e uma caneta cuja tinta surgia a partir da energia solar, escrevia, escrevia célere e entusiasticamente.
Gaia era uma gaivota bem diferente de suas irmãs de ninhada:  usava óculos, talvez pelo hábito de ler em demasia desde muito jovem, era a menor de todas e não conseguia plainar durante tanto tempo porque as pequenas asas não lhe ofereciam a resistência e envergadura necessárias.
Espírito resoluto, encontrou na Poesia sua melhor e mais bela maneira de voar.
O professor Eliezer, alma sensível e generosa, humanista e poeta, viu em Gaia um talento incomum e aproximou-se dela de maneira discreta, como era de seu costume para com todos.
- Bom dia, jovem poeta!
- Poeta, eu?! Disse ela, ocultando seu pequeno caderno timidamente.
- Sim, você! Seus poemas são delicadas jóias literárias.
- Mas como o senhor sabe? Eu escrevo apenas para mim, como um refúgio às minhas limitações de ave que não pode voar.
- O que você desconhece talvez, é que tudo que fazemos é reproduzido no universo, minha amiga.
- Mas como? Não entendo.
- Abra o seu caderno, olhe para o infinito e escreva algo.
E Gaia, admirada, viu reproduzidos no céu azul seus versos de amor, de sonhos e de beleza que não cabiam mais em seu coração de ave sonhadora e inquieta.
- Que coisa incrível!
- Escreva mais, ave querida! Deixe que a Grande Força a envolva em Seus braços de Amor pela humanidade inteira e assim verá que os limites não existem e o mundo não tem fronteiras. Vamos pensar na publicação?
E as pequenas nuvens dobradinhas com delicadeza, formaram o belo livro de Poemas, apresentado pelo professor Eliezer e manuscrito por ela, a gaivotinha-poeta, que ao conceber seus versos nas manhãs surgidas, transformava-se, crescia e transcendia seu espírito através dos raios de sol da poesia.
Na folha de dedicatórias, alguém que não se identificou, assim escreveu:
“Para você, Gaia,
Pequena ave de Deus,
Cuja pena seduz e encanta
Todos os amigos seus.”
Aquele nome ela não se atreveu a escrever no seu caderninho temendo que os outros pudessem vê-lo reproduzido no infinito.
Mas eu sei quem é.
E Gaia, lançando em minha direção aquele olhar de quase desespero em ver seu segredo revelado, me fez sorrir e caminhar ao seu encontro num abraço afetuoso e amigo:
- Conta comigo. Não vou falar.
- Como você descobriu?
- Sou cigana. Para mim não é difícil ler a poesia da alma humana.
- Mas eu sou uma ave.
- Não, Gaia, você é uma pessoa que aprendeu a voar e suas asas foram tecidas com os mais delicados versos colhidos no jardim das emoções.
- Mas o meu voo mais desejado ainda não pude realizar.
- É com ele, não é?
- Shhh...
- Não tenha medo. Ele não pode nos ouvir.
- Mas se o que escrevemos é reproduzido no infinito, que dirá o que falamos!
- Mas você quer mesmo que ele saiba do seu sentimento?
- Tenho medo.
- Medo de que?
- Que ele me rejeite. Sou tão pequena, sem atrativos, tímida demais enquanto ele...
- Ora minha querida, você está se vendo apenas segundo as suas limitações. Você precisa abandonar essa caixa, Gaia, querida.
- Que caixa, cigana? Você é tão enigmática às vezes...
- A Caixa dos Complexos. Ela é muito pequena e cada vez mais vai se afunilando, impedindo a saída de quem se esconde em seu interior.
- Mas sou limitada, não vê que minhas asas são pequenas?
- E as asas da Poesia? Se as tuas não te permitem os altos vôos, usa as que ela te oferece e permita-se o lançar da mente e do coração aos altos píncaros, às sublimes estâncias. Arrume-se mais, valorize o que você tem de mais bonito. Vamos, menina, a vida é breve demais e o tempo muito curto para ser desperdiçado.
Noite de autógrafos, Gaia linda, resplandecente de alegria, não imagina a surpresa que a espera.
Ela não sabe, mas a Editora contratou Felicién, o pelicano fotógrafo, muito famoso por suas fotos acrobáticas em ângulos aéreos ou subaquáticos que produziam efeitos fantásticos! Suas exposições conquistaram o mundo e ele, sem que ela suspeitasse, estava na fila de autógrafos e estrategicamente, cedia seu lugar a quem estava atrás para registrar suas expressões em ângulos diversos e bem naturais, que era o que fazia a diferença do seu trabalho.
Quando Gaia o viu, chegou  tremer a mão que autografava sem parar.
Ele, tão bonito e tão misterioso por trás daquela câmera sofisticada e potente, fazia seu coraçãozinho disparar no peito.
- Sou seu fã e seu fotógrafo, Gaia.
- Meu fã? Meu fotógrafo?!
- Sou todo seu, disse ele roçando o rosto em seu ouvido.
Gaia olhou para mim que estava à espera do meu autógrafo também e abriu o sorriso mais lindo que já vi.
Claro que retornei muitas vezes àquele Balneário em visita a minha linda amiga, agora casada e feliz com o grande amor da sua vida, numa conjugação foto-literária tão incrível, que Felicién era capaz de transformar os poemas de Gaia em fotos que transpareciam verdadeiros vôos de luz.

O amor é o melhor presente que Deus podia ter inventado para todos nós.

5 comentários:

  1. Delicada e suave narrativa como a alma de sua criadora. Bem-vinda ao mundo blogueiro, amiga, nesta primavera de lua cheia!

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  2. Ho fine apenas la blogo de Dirce Sales. Kaj per bela, delikata premiero, kiu trafe montras la talenton de la autoro. Mi esperas, ke baldau venos pliaj. Estas tre bedaurinde, ke la internacia publiko ne povas ghui viajn belajn ideojn, se ili ne aperas en Esperanta vesto...
    Gratulon!

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  3. Amiga Dirce ,teria que ser na primavera uma estação tão linda, recebermos de braços abertos este lindo conto ... eu diria , seja bem vinda Gaia!! pois ,para mim Gaia é você.!

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  4. Já disse várias vezes e repito:seu maior talento artístico é a composição. Acho que você devia também investir na produção de um livro. Sou fã de vários escritores e poetas, como nossa querida irmã Nazaré, mas há algo na sua produção que me fala muito perto, que me emociona de uma maneira muito singular, como se - permita-me o egoísmo - você escrevesse para mim! Essa gaivota que cria uma analogia linda entre pena e "pena", asas e liberdade, que fala de poesia e amor, coisas tão decantadas, acaba por lhe dar a possibilidade de inovar em cima do simples. Que coisa mais linda! Eu falaria a noite toda desse texto. Parabéns!

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  5. Gloria Solange

    Feino Dirce,
    Leginte viajn fabelojn mi konkludas ke la Luno kie vi logxas plenas de magio... de sorcxado...
    Dankon cxar vi portas cxi tiujn belajxojn el via luna hejmo rekte al niajn korojn.
    Kisojn mikino.

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