Conheci Gaia no verão passado, num balneário do litoral fluminense em um recanto repleto de pedras em fantásticos arranjos que a Natureza nos prepara constantemente.
Sentada próximo à uma
pedra tabuleiro, a pequena Gaia, com seu caderno de nuvens cor rosa perolado e
uma caneta cuja tinta surgia a partir da energia solar, escrevia, escrevia
célere e entusiasticamente.
Gaia era uma gaivota bem
diferente de suas irmãs de ninhada: usava óculos, talvez pelo hábito de ler em
demasia desde muito jovem, era a menor de todas e não conseguia plainar durante
tanto tempo porque as pequenas asas não lhe ofereciam a resistência e
envergadura necessárias.
Espírito resoluto, encontrou
na Poesia sua melhor e mais bela maneira de voar.
O professor Eliezer, alma
sensível e generosa, humanista e poeta, viu em Gaia um talento incomum e
aproximou-se dela de maneira discreta, como era de seu costume para com todos.
- Bom dia, jovem poeta!
- Poeta, eu?! Disse ela,
ocultando seu pequeno caderno timidamente.
- Sim, você! Seus poemas
são delicadas jóias literárias.
- Mas como o senhor sabe?
Eu escrevo apenas para mim, como um refúgio às minhas limitações de ave que não
pode voar.
- O que você desconhece
talvez, é que tudo que fazemos é reproduzido no universo, minha amiga.
- Mas como? Não entendo.
- Abra o seu caderno, olhe
para o infinito e escreva algo.
E Gaia, admirada, viu
reproduzidos no céu azul seus versos de amor, de sonhos e de beleza que não
cabiam mais em seu coração de ave sonhadora e inquieta.
- Que coisa incrível!
- Escreva mais, ave
querida! Deixe que a Grande Força a envolva em Seus braços de Amor pela
humanidade inteira e assim verá que os limites não existem e o mundo não tem
fronteiras. Vamos pensar na publicação?
E as pequenas nuvens
dobradinhas com delicadeza, formaram o belo livro de Poemas, apresentado pelo
professor Eliezer e manuscrito por ela, a gaivotinha-poeta, que ao conceber
seus versos nas manhãs surgidas, transformava-se, crescia e transcendia seu
espírito através dos raios de sol da poesia.
Na folha de dedicatórias,
alguém que não se identificou, assim escreveu:
“Para você, Gaia,
Pequena ave de Deus,
Cuja pena seduz e encanta
Todos os amigos seus.”
Aquele
nome ela não se atreveu a escrever no seu caderninho temendo que os outros
pudessem vê-lo reproduzido no infinito.
Mas
eu sei quem é.
E
Gaia, lançando em minha direção aquele olhar de quase desespero em ver seu
segredo revelado, me fez sorrir e caminhar ao seu encontro num abraço afetuoso
e amigo:
-
Conta comigo. Não vou falar.
-
Como você descobriu?
-
Sou cigana. Para mim não é difícil ler a poesia da alma humana.
-
Mas eu sou uma ave.
-
Não, Gaia, você é uma pessoa que aprendeu a voar e suas asas foram tecidas com
os mais delicados versos colhidos no jardim das emoções.
-
Mas o meu voo mais desejado ainda não pude realizar.
-
É com ele, não é?
-
Shhh...
-
Não tenha medo. Ele não pode nos ouvir.
- Mas
se o que escrevemos é reproduzido no infinito, que dirá o que falamos!
-
Mas você quer mesmo que ele saiba do seu sentimento?
-
Tenho medo.
-
Medo de que?
-
Que ele me rejeite. Sou tão pequena, sem atrativos, tímida demais enquanto
ele...
-
Ora minha querida, você está se vendo apenas segundo as suas limitações. Você
precisa abandonar essa caixa, Gaia, querida.
-
Que caixa, cigana? Você é tão enigmática às vezes...
-
A Caixa dos Complexos. Ela é muito pequena e cada vez mais vai se afunilando,
impedindo a saída de quem se esconde em seu interior.
-
Mas sou limitada, não vê que minhas asas são pequenas?
-
E as asas da Poesia? Se as tuas não te permitem os altos vôos, usa as que ela
te oferece e permita-se o lançar da mente e do coração aos altos píncaros, às
sublimes estâncias. Arrume-se mais, valorize o que você tem de mais bonito.
Vamos, menina, a vida é breve demais e o tempo muito curto para ser
desperdiçado.
Noite
de autógrafos, Gaia linda, resplandecente de alegria, não imagina a surpresa
que a espera.
Ela
não sabe, mas a Editora contratou Felicién, o pelicano fotógrafo, muito famoso
por suas fotos acrobáticas em ângulos aéreos ou subaquáticos que produziam
efeitos fantásticos! Suas exposições conquistaram o mundo e ele, sem que ela
suspeitasse, estava na fila de autógrafos e estrategicamente, cedia seu lugar a
quem estava atrás para registrar suas expressões em ângulos diversos e bem
naturais, que era o que fazia a diferença do seu trabalho.
Quando
Gaia o viu, chegou tremer a mão que
autografava sem parar.
Ele,
tão bonito e tão misterioso por trás daquela câmera sofisticada e potente,
fazia seu coraçãozinho disparar no peito.
-
Sou seu fã e seu fotógrafo, Gaia.
-
Meu fã? Meu fotógrafo?!
-
Sou todo seu, disse ele roçando o rosto em seu ouvido.
Gaia
olhou para mim que estava à espera do meu autógrafo também e abriu o sorriso
mais lindo que já vi.
Claro
que retornei muitas vezes àquele Balneário em visita a minha linda amiga, agora
casada e feliz com o grande amor da sua vida, numa conjugação foto-literária
tão incrível, que Felicién era capaz de transformar os poemas de Gaia em fotos
que transpareciam verdadeiros vôos de luz.
O
amor é o melhor presente que Deus podia ter inventado para todos nós.
Delicada e suave narrativa como a alma de sua criadora. Bem-vinda ao mundo blogueiro, amiga, nesta primavera de lua cheia!
ResponderExcluirHo fine apenas la blogo de Dirce Sales. Kaj per bela, delikata premiero, kiu trafe montras la talenton de la autoro. Mi esperas, ke baldau venos pliaj. Estas tre bedaurinde, ke la internacia publiko ne povas ghui viajn belajn ideojn, se ili ne aperas en Esperanta vesto...
ResponderExcluirGratulon!
Amiga Dirce ,teria que ser na primavera uma estação tão linda, recebermos de braços abertos este lindo conto ... eu diria , seja bem vinda Gaia!! pois ,para mim Gaia é você.!
ResponderExcluirJá disse várias vezes e repito:seu maior talento artístico é a composição. Acho que você devia também investir na produção de um livro. Sou fã de vários escritores e poetas, como nossa querida irmã Nazaré, mas há algo na sua produção que me fala muito perto, que me emociona de uma maneira muito singular, como se - permita-me o egoísmo - você escrevesse para mim! Essa gaivota que cria uma analogia linda entre pena e "pena", asas e liberdade, que fala de poesia e amor, coisas tão decantadas, acaba por lhe dar a possibilidade de inovar em cima do simples. Que coisa mais linda! Eu falaria a noite toda desse texto. Parabéns!
ResponderExcluirGloria Solange
ResponderExcluirFeino Dirce,
Leginte viajn fabelojn mi konkludas ke la Luno kie vi logxas plenas de magio... de sorcxado...
Dankon cxar vi portas cxi tiujn belajxojn el via luna hejmo rekte al niajn korojn.
Kisojn mikino.