domingo, 29 de setembro de 2013

Brux e as vírgulas



                                                                         



Brux, de uma hora para outra, cismou em realizar um velho sonho: escrever. Vestiu sua roupa de escritora, muniu-se de lápis e papel, inventou histórias cheias de finais felizes como gostava, com personagens que ensinavam receitas deliciosas, outros que faziam linimentos, panaceias e outras coisas mais, deixou o orgulho de lado e foi levar seus alfarrábios para a Doutora Zan, uma velha amiga que sabia tudo e mais um pouco sobre palavras, textos, análise morfológica, análise sintática, essas chatices da língua, sabe?  Nada escapava aos seus olhos argutos por trás de grossas lentes sobre um narizinho arrebitado, meio atrevido.

Zan vivia munida com uma arma que disparava um líquido vermelho, fatal!  As pessoas comuns juravam que era apenas uma simples caneta, mas Brux teimava em dizer que não, que era uma arma capaz de derrubar qualquer aspirante a escritor,  qualquer pessoa que se atrevesse a frequentar aquelas salas cheias de livros, de gente falando uma língua com termos tão estranhos que nem mesmo o dicionário esclarecia.  E depois dizem que as Bruxas é que são  complicadas... Ora!

Entrou, olhou para a doutora com seu olhar de nuvens e luares e falou rapidamente sobre sua visita. Zan prometeu que revisaria em seguida. Brux esperou, esperou, muito a contragosto, porque não era do seu feitio esperar, e voltou resmungando, com muita bronca daquelas tripinhas atrevidas que os mortais chamavam de vírgulas. Ai! Eram mesmo de amargar...  Como podia ser aquilo? Aquelas minhoquinhas de nada, desafiando a velha Brux? Ah, elas nem desconfiavam do que ela era capaz!

Após uma noite inteira pilotando a vassoura inseparável pela pradaria estelar, regressou ao casarão e abrindo o grande livro, armada com uma terrível pinça de sobrancelhas, retirou todas as vírgulas sem dó, e as aprisionou em uma caixa que ela chamava de Caixa das Decisões Drásticas.

Ao meio-dia, com a caixa bem acomodada numa bolsa espaçosa e grande livro debaixo do braço,  dirigiu-se rapidamente ao Departamento onde Zan trabalhava e, colocando a caixa sobre a mesa, disse sem rodeios:

- Toma. São todas suas.

- O que é isso?

- São suas famigeradas vírgulas. Não tenho a menor paciência com elas.

- Mas você precisa delas, Brux!

- Mas elas não precisam de mim. Então, estamos quites!

- E como as pessoas poderão ler corretamente o que você escreveu?

- Elas não entendem os poetas? Se eles têm esse direito, por que eu também não posso ter?

- E a compreensão?

- Fica a encargo do contexto. Tchau, Zan.

- É a sua última palavra?

- É.

E lá se foi com seu estranho livro totalmente despovoado de vírgulas.
Zan balança a cabeça e suspira: Onde vai parar essa criatura?

2 comentários:

  1. Essa Brux ainda vai aprontar muito... estou gostando de ver seu personagem com vida própria, vivendo além do primeiro conto...muito bom, Dirce! Magia pura! Obrigada!

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  2. Bone! Mi esperas, ke Brux pacighos kun komoj, char komoj ekzistas por helpi kaj faciligi la legadon, ne por turmenti. La problemo estas havigi al Brux iom da pacienco...

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